ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Vidas precárias, vidas em trânsito |
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Autor | Alessandra Soares Brandão |
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Resumo Expandido | Em um contexto contemporâneo marcado por uma intrínseca relação entre o capitalismo e a produção de subjetividades, importa pensar os modos como as vidas femininas se tornam precárias no interior da máquina convulsa do capital e de que maneiras ressurgem sobreviventes na e da precariedade, quando a falta, o dano, o controle e a vulnerabilidade impulsionam determinadas trajetórias femininas na contramão dos vetores de exclusão do capitalismo. Mais especificamente, que imagens o cinema oferece para pensarmos a imbricação entre a exclusão de mulheres e suas estratégias de sobrevivência forjadas como 'pequena luz' no auge do espetáculo de circulação massificada de pessoas, bens, imagens? Nesse sentido, as jornadas singulares das protagonistas em filmes como Dois dias, uma noite (Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, 2014); Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2013), A teta assustada (Claudia Llosa, 2009) e O céu de Suely (Karim Aïnouz, 2006), por exemplo, são mobilizadas ao mesmo tempo pela falta de e em direção a formas de re/conexão com o capital (PELBART, 2011), tecendo linhas de fuga nas contingências da precariedade. Por outro lado, se pensamos, com Judith Butler (2009), que a condição precária se dá em perspectiva relacional, ou seja, no âmbito coletivo, social e não individual, busco analisar esses filmes a partir de uma mirada que tanto reconhece as narrativas que colocam as mulheres em movimento contextual de mobilidade social quanto as forças estéticas que politizam suas trajetórias, de maneira a compor um espécie de mapeamento das alianças que constituem suas diversas formas de sobrevivência diante da falta. Em Amor, plástico e barulho, Jaqueline, personagem interpretada por Maeve Jenkings, é uma estrela decadente do tecnobrega que busca espaço em uma indústria dominada por homens e sempre ameaçada pela chegada de novos talentos, como é o caso da amiga Shelly. Nesse universo, periférico e desigual, a precariedade de Jaqueline é sempre iminente na trajetória neófita de Shelly, marcada pela provisoriedade de suas carreiras, de performances esparsas em espaços cada vez mais isolados da cidade. Em O céu de Suely, a perambulação se dá em busca de um lugar, um emprego, um porquê de habitar a isolada cidade de Iguatu. É vendendo a rifa de ‘uma noite no paraíso’ que Hermila se reinventa como Suely, fazendo de sua própria precariedade um “vetor de autovalorização” (PELBART, 2002). Da periferia de Lima para o centro da cidade, onde precisa trabalhar, Fausta, personagem central de A teta assustada, percorre as ruas como se travasse uma luta consigo mesma e contra o mundo de fora. É preciso sobreviver na superfície, ainda que acometida pela ‘doença da teta assustada’, lenda segundo a qual sua alma está no escuro da terra, como a batata que traz entranhada no ventre. Apesar do medo herdado do corpo materno violentado em sua gravidez, trabalhar significa poder financiar o enterro da mãe na vila e origem, ao mesmo tempo que a coloca no centro de sua própria sustentação. Em Dois dias, uma noite, Sandra quase sucumbe diante da notícia de que seus colegas de trabalho aceitaram um bônus de 1.000 euros em troca de sua demissão. A custo de muito esforço, precisa sair de porta em porta, solicitando que cada um deles retome sua posição e lhe dê a chance de restituir o emprego em nova votação. Esses são filmes que, queremos crer, constroem o trânsito dessas personagens como uma marcha, um gesto de enfrentamento diante das perdas, da falta, dos danos, e da exclusão. Em conjunto, portanto, oferecem pequenas luzes que podem iluminar uma aliança de forças que resitem/existem/sobrevivem através e a despeito da precariedade que constitui o universo particular de cada uma dessas vidas errantes. |
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Bibliografia | BUTLER, Judith. Frames of war: when is life grievable. London & New York: Verso, 2009. |