ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O documentário segundo Raúl Ruiz |
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Autor | Rodrigo Sombra |
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Resumo Expandido | O cineasta chileno Raúl Ruiz (1941-2011) é autor de uma obra caudalosa, composta por mais de 100 títulos. Nela, a produção de documentários, quando não ignorada, é percebida como aspecto periférico do trabalho do realizador À primeira vista, tal omissão soa justificável. Embora o gênero não esteja de todo ausente em sua obra, Ruiz, de fato, jamais expressou grande estima pelo cinema de não-ficção. Autor acostumado a associações com o surrealismo e cultor de labirintos borgeanos, fincou suas criações em solo eminentemente ficcional. Todavia, na contramão de apreciações canônicas do cinema de Ruiz, esta apresentação quer enfocar o documentário como uma anomalia fecunda em seu cinema. Isto porque na obra do autor chileno as criações de premissa documental assumem existência verdadeiramente problemática, aparecem na forma de objetos aberrantes, constituindo filmes inclassificáveis não raro voltados a desconstruir os pressupostos de “real” e “verdade” sobre as quais se assentam algumas das concepções medulares do filme de não-ficção. Esse caráter problemático pode ser detectado na própria biografia do artista. Em 1964, quando tinha rodado apenas um curta, Ruiz se matricularia na Escuela de Cine de Santa Fé, Argentina, para debandar um ano depois em protesto contra o imperativo segundo o qual “o dever de todo ser humano na América Latina é fazer documentários”(Apud, Rosenbaum, 1995, p.223). Insisto, no entanto, na relação entre Ruiz e o cinema de não-ficção. Nesse sentido, esta apresentação toma por hipótese o enlace de um duplo exílio. Refiro-me tanto ao exílio efetivo que, após o golpe de estado de Augusto Pinochet, obrigou o diretor chileno a refugiar-se em Paris; de outro lado, tomo por “exílio” também a breve incursão de Ruiz noutro território estrangeiro, aquele dos experimentos com o documentário comissionados pela TV francesa no final dos anos 70. Tal enlace dessa dupla relação com o “estrangeiro”, a da vida do exilado político em Paris e a do realizador ficcional às voltas com a produção audiovisual de não-ficção, seriam tensionadas no filme “Des grands événements et des gens ordinaires”(1979), principal objeto de análise do meu trabalho. Realizado a pedido de produtores franceses, o filme deveria cobrir as eleições parlamentares de 1978. Nesta obra de vocação ensaística, conduzida por uma narração performática, Ruiz ocupa-se sobretudo da dispersão do documentário no campo das ideias: evoca as “Cartas Persas” de Montesquieu, insinua o mal-estar social causado pela presença de imigrantes entre os parisienses e explicita as hierarquias de poder que moldam a relação entre o realizador do cinema de não-ficção (neste caso o subalterno, um chileno) e os sujeitos filmados (os franceses). Mais que deixar-se apreender pelas vibrações do real posto diante da câmera, "Des grands événements" se vale do artifício, em especial do jogo de variações e repetições da montagem, para enfatizar tensões congênitas ao exílio. Enuncia-se assim um jogo autobiográfico, a inscrição de um olhar estrangeiro para quem as eleições francesas aparecem como um simulacro, quiçá um espelho distorcido do vazio democrático de seu Chile natal, mas também uma meditação sobre os fundamentos do cinema de não-ficção. “O tema do filme não é mais a eleição, mas o documentário”, diz o narrador a altura tal. Assim, Ruiz cita o produtor e cineasta britânico John Grierson e estabelece uma diálogo paródico com o documentário militante, além de plantar sua câmera na redação dos Cahiers dú Cinéma, onde entrevista o crítico Pascal Bonitzer sobre a natureza do cinema direto. Esta apresentação pretende empreender uma leitura dos tensionamentos intrínsecos ao lugar do documentário na obra de Ruiz. Neste sentido, parte-se de noções como “realismo casto”, cunhada pelo realizador chileno, ou de sua apropriação da ideia de “inconsciente ótico”, de Walter Benjamin, a fim de deslindar o sentido das concepções de “imagem” e de “real” em suas práticas artísticas e produção teórica. |
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Bibliografia | Aumont, Jacques. Teorias Dos Cineastas (as). Papirus Editora, 2004. |