ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O avesso dos arquivos na instalação “Natureza Morta/Stilleben” |
|
Autor | Eduarda Kuhnert |
|
Resumo Expandido | "Confesso que essas ‘notícias’ que surgem de repente rompendo dois séculos e meio de silêncio mexeram mais com meus nervos do que aquilo que se costuma chamar de literatura [...]. Se as utilizei foi sem dúvida por causa dessa vibração que sinto quando me ocorre de encontrar essas vidas ínfimas que viraram cinzas nas poucas frases que as abateram." (FOUCAULT apud FARGE, 2009, p. 37) O próprio do trabalho em um arquivo está no destaque ao microscópio. As singularidades da história não seriam percebidas a olho nu sem a atenção a estes seres anônimos cujas vidas foram descritas nos documentos arquivados. Assim se caracteriza a instalação "Natureza Morta/Stilleben", realizada pela diretora portuguesa Susana de Sousa Dias, conhecida pelo trabalho com imagens produzidas pelo Estado Novo em filmes como "48" e "Processo-crime 141/53". A presente pesquisa teórica busca explorar os aspectos formais e a metodologia de investigação e de montagem de materiais de arquivo na produção da diretora, que enfrenta a iconografia do regime salazarista em sua materialidade tanto em filmes quanto em instalações artísticas. "Natureza Morta/Stilleben" teve origem no filme homônimo, também dirigido por Susana de Sousa Dias, em 2005, composto por imagens de prisioneiros políticos da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), órgão português responsável pela repressão a atos de oposição ao regime ditatorial da época, e vídeos de reportagens de guerra e documentários de propaganda do governo salazarista. Natureza Morta é um filme sem palavras: as imagens são encaradas sem que o discurso verbal condicione a leitura das mesmas. A montagem em profundidade visual dá primazia às imagens, as técnicas de "raccord" e reenquadramento subvertem a mensagem original proposta pelo regime ditatorial e a ênfase na materialidade retira qualquer estatuto de ilustração àquelas imagens. A instalação baseada no filme foi apresentada no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, localizado em Lisboa, entre novembro de 2010 e janeiro de 2011. A obra consiste em três projeções das imagens também utilizadas no filme, formando um tríptico que incorpora a instalação sonora de António de Sousa Dias. Sobre o som utilizado na instalação, Helena Barranha afirma: “Não menos perturbadora que as imagens, a música surge aqui como possível fio condutor que potencializa a reordenação de uma realidade fragmentada e a construção de outras narrativas pelo próprio observador.” (BARRANHA, 2017) De acordo com a realizadora, as imagens do arquivo da polícia constituem um acesso privilegiado ao interior da prisão (DIAS, 2012). Quando incorporadas novas problemáticas, estes instantâneos do íntimo revelam o funcionamento do próprio dispositivo de repressão que os produziu e do contexto histórico que os solicitou. A escavação das inúmeras camadas de sentido das imagens utilizadas na instalação reaviva e ressignifica os fatos da história recente de Portugal. Dessa forma, o caráter funcional das imagens é virado do avesso: a montagem de Susana de Sousa Dias aponta a ruína daquele regime de poder em Portugal nos sutis sinais de desintegração interna das imagens. Trata-se de olhar as imagens e procurar o que escondem, não o que revelam. |
|
Bibliografia | BARRANHA, Helena. "Natureza Morta/Stilleben". Disponível em: |