ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O narrador metaléptico em House of Cards |
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Autor | Giancarlo Casellato Gozzi |
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Resumo Expandido | Os últimos 20 anos foram marcados por um crescente interesse de público e crítica por narrativas televisivas seriadas, justificando o surgimento de um campo específico de Estudos de Televisão e de uma literatura especializada. Paradoxalmente, prenunciava-se a morte do meio televisivo, devido à multiplicação dos modos de exibição de uma forma audiovisual antes contida pela radiodifusão. Todavia, o meio se renova, na medida em que tanto canais de televisão convencionais quanto canais a cabo e mesmo serviços de streaming online passam a privilegiar narrativas que formalmente escapam das convenções usualmente creditadas à Televisão. Este fenômeno contemporâneo é alvo de longa discussão acadêmica quanto às suas definições: Define-o como “complexo” (Mittell 2012 e 2015), “metareflexivo” (Sconce 2004), “autorreferencial” (Capanema 2016). Considera-se seu traço narrativo definidor tanto a hibridização dos formatos episódico e serial (Mittell 2015) quanto a síntese destes (Silva 2015). Porém, para além de apontar qual autor(a) melhor precisa o “drama seriado contemporâneo” (Silva 2015), um fator em comum a todos que se voltam para séries contemporâneas aclamadas pela crítica (como The Wire, Mad Men, Breaking Bad, True Detective, entre muitas outras) é a percepção do uso de elementos narrativos e dramáticos conscientes e reflexivos, que chamam atenção para si mesmos e para a estrutura formal dos seriados. Neste contexto, surge em 2013 o seriado House of Cards (Netflix, Beau Willimon, 2013-), primeiro seriado original da plataforma de streaming Netflix a ser alçado ao panteão das “grandes séries da TV a cabo”. O drama segue a ascendência política do Deputado Frank Underwood (Kevin Spacey), que ao longo de quatro temporadas galga os obstáculos que o separam do cargo de Presidente dos Estados Unidos, com a ajuda de sua maquiavélica mulher Claire (Robin Wright). Membro da liderança do Partido Democrático na Câmara dos Deputados à décadas, é traído pelo Presidente que tinha acabado de ajudar a eleger. Ele então decide não só se vingar dessa traição, mas efetivamente tomar o lugar do Presidente eleito, usando para este fim de todo instrumento possível. Desde a época de seu lançamento, um dos aspectos da série que mais chamou a atenção da crítica e do público foi o tom cínico e ácido com que aborda o jogo político de Washington, os interesses particulares que o movem, e a representação que faz dos diferentes atores deste jogo, notadamente a partir do uso de apartes por parte do protagonista, um recurso teatral trazido para a Televisão em que a atenção da câmera é desviada para focalizar o rosto de Frank, enquanto este conversa com seu público em tom pedagógico e, em tempos, confessional. Se no seriado a política institucional americana é retratada enquanto espetáculo, este tema é sintetizado na figura de Frank Underwood e seus apartes reveladores, aonde o conteúdo é refletido em forma. Contudo, se Frank é narrador do seriado, por comentá-lo com seu público, ele ainda pertence a ele, sendo-lhe vedada a onisciência. Em termos narrativos, é narrador metaléptico, transgredindo de tempos em tempos a diegese para comentá-la conosco – mas contudo ainda a ela pertencendo, suas reveses indicações de sua submissão à trama geral (Klarer 2014). Neste jogo de pertencimento e não pertencimento, de agência e submissão, é que se dá o movimento que impulsiona a narrativa do seriado. Assim, pretendo nesta apresentação analisar os apartes de Frank Underwood e sua relação com a forma narrativa geral da 1a temporada do seriado House of Cards. No percurso desta análise, balizas advindas da teoria literária e da teoria do drama serão utilizadas na definição dos elementos constitutivos da forma audiovisual do seriado, em um esforço interdisciplinar, aonde a relação entre palavra e imagem não se dá a partir da relação entre diferentes objetos, mas da relação entre diferentes modos de ver um mesmo objeto. |
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Bibliografia | CAPANEMA, Letícia. “Complexidade nas Obras Televisuais e Cinematográficas de David Lynch.” In: Revista Geminis, ano 7, n. 2, p. 56-77, 2016. |