ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Poesia e memória no cinema de Carlos Adriano |
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Autor | João Paulo Rabelo de Farias |
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Resumo Expandido | O cinema de Carlos Adriano se inscreve, de saída, na frontalidade com a poesia. Gesto marcante em seus filmes, a busca pela “essência da linguagem e a liberdade de expressão” (ROSA, 1997), configura o seu trabalho como um dos mais radicais e inventivos de que dispomos atualmente. Tanto na escolha dos materiais quando nos procedimentos utilizados, podemos destacar um interesse que o aproxima do cinema de matriz experimental, tendo sempre no seu horizonte um desenho poético. Mobilizando uma atenção aos fragmentos mínimos, efeitos de montagem e “sobrevivência das imagens”, desde o seu terceiro filme, “Remanescências” (1997), Adriano vem se dedicando ao trabalho com a reapropriação de arquivos, found footage, que nos termos do cineasta é “aquele ‘gênero’ ou procedimento de produção audiovisual que se apropria, recicla, reedita e ressignifica imagens alheias. O found footage poderia ser traduzido como ‘metragem [de filme] encontrada’” (ROSA, 2015). Com efeito, nos parece emergir nas suas imagens um elogio à poesia contida na memória, como se o seu cinema desse forma a um processo que passa efetivamente pela vontade de reter algo da presença que se esvai. Tomando particularmente “Sem Título # 3: E para que Poetas em Tempo de Pobreza?” (2016), o terceiro filme da série “Apontamentos para uma Auto Cine Biografia (em Regresso)”, procuraremos evidenciar perspectivas da interlocução entre poesia e memória no campo das imagens em movimento. Em seu ensaio “A poesia, memória excessiva”, Silvina Rodrigues Lopes nos diz que a memória “caracteriza-se pelo seu dinamismo actualizável em formas” e logo em seguida completa: “a forma-poema é memória profética, o que significa que nunca se limita à descrição e interpretação do passado, mas o constitui no próprio gesto que inventa o futuro” (LOPES, 2003, p. 69). Por essa via, podemos pensar junto com “Sem Título # 3” que as diversas imagens e versos que vêm se decantar na tela na mesma profusão que se esgarçam, são articuladas no filme em uma metamorfose de sentidos que se atualizam, de modo a guardar uma promessa viva ou ainda, poderíamos dizer, um desdobramento do trecho do filme de Eric Rohmer sobre Mallarmé apropriado por Adriano: “escolher um objeto e extrair dele um estado de alma por uma série de decifrações”. Como nos termos de Olgária Matos (2016), sobre o filme: “não se trata de lembranças – que evocam o que passou e terminou –, mas de reminiscências, de vestígios que permanecem vivos e atuantes, vencendo a barreira do tempo, tempo que é passagem e caminho sem volta, mas também transcriação poética” (MATOS, 2016). Nesse sentido, como ouvimos em dado momento, “um filme ressuscita atos mortos” e isso parece se colocar em conformação a esse trabalho que traça cruzamentos entre a poesia e a memória. Nesse cinema, por meio dos gestos criativos do diretor, coloca-se em ação as potências da memória num lugar marcado pela elaboração de algo que está represado, mas que parece desejar fluir. Buscaremos focalizar os processos rememorativos que se depreendem das imagens e que trazem memórias inerentes, sobrevivências, como nas sequências em que, enquanto ouvimos os versos de Antonio Machado: “caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar”, podemos ver uma população em deslocamento tomada de um arquivo em preto e branco e na sequência imediata vem ocupar a tela imagens tomadas atualmente de reportagens de televisão sobre refugiados sírios que cruzam fronteiras em uma fuga desesperada. Transfigurações poéticas do tempo que dão a ver o horror que não cessa de se repetir nos nossos tempos. |
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Bibliografia | LOPES, Silvina Rodrigues. Literatura, defesa do atrito. Lisboa: Vendaval, 2003. |