ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Cláudio Assis e a imagem que faz sintoma |
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Autor | Bruno Leites |
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Resumo Expandido | Nos dois primeiros longas de Cláudio Assis, Amarelo manga e Baixio das bestas, convivem a sordidez dos temas e a beleza das imagens. Neste trabalho, pretendemos tirar consequência dessa constatação inicial, aproveitando a análise das imagens e as entrevistas concedidas pelo autor por ocasião do lançamento dos filmes. O vocabulário da doença é comum no universo de Assis. Para além da definição de amarelo em Amarelo manga, vemos que o realizador costuma utilizar um vocabulário de doença para designar o projeto implicado nos seus filmes (ASSIS, 2003, 2007a, 2011). A seguinte definição emitida por Assis é importante para ajudar-nos a compreender o seu projeto: “Eu tô te mostrando, tá aqui. Você que diz, qual é a sua atitude, que você vai assumir perante isso” (ASSIS, 2011). A imagem, portanto, deve servir para interpelar o espectador e provocar um desconforto que o integre à doença. É o que compreendemos do projeto de Assis nos filmes já citados: a imagem é pensada para fazer sintoma, um sintoma que, por definição, deve ser desconfortável e satisfatório ao mesmo tempo. O sintoma, nos termos de Sigmund Freud (2007), é uma materialidade em conflito, a qual desconforta, mas que, por outro lado, serve de satisfação secundária para uma pulsão não plenamente satisfeita. O sintoma é, portanto, um espaço de luta e conciliação de duas forças em conflito. Assis nas suas imagens parece querer a todo momento conjugar as duas forças, de desconforto e de satisfação, perseguindo o objetivo de fazer o espectador viver a imagem como uma experiência de sintoma de civilização. Pretendemos demonstrar que ele faz isso na imagem recorrendo a uma estética da crueldade para desconfortar e à beleza da imagem e dos corpos para satisfazer. No aspecto de desconforto, destacamos o interesse pelas carnes cruas, pelas mortes em abatedouros, pelas perversões, pela reunião de violência e desejo em seus filmes, pela exposição de retratos audiovisuais de figuras que “gritam silenciosamente” (ASSIS, 2003). No aspecto de satisfação, evidenciamos em primeiro lugar o investimento na beleza da imagem, principalmente na mise-en-scène, nos enquadramentos, nos movimentos da câmera e de corpos que se deslocam nos espaços. O realizador, assim, investe na plasticidade com virtuosidade para produzir uma experiência de prazer cinematográfico: “Amarelo Manga é um filme difícil. Trata da miséria humana. Se não buscarmos uma elegância no movimento de câmera, no enquadramento, no desenho das cenas, fica um negócio feio e podre” (ASSIS, 2003). Além disso, Assis investe na eleição de corpos típico-normativos. Sobre a atriz que interpreta uma das mulheres violentadas em Baixio das bestas, afirma: “Agora, vou encontrar [...] melhor atriz do que Dira Paes, nua e maravilhosa no filme?” (ASSIS, 2007b). Acerca da sintomatologia, Assis defende a eficácia do método: “Um crítico na Holanda, um dos fundadores do Festival de Roterdã, me disse: ‘Quero te agradecer porque você me fez enxergar o quanto eu sou também filho da puta. Por alguns momentos desejei aquela garota de 15 anos que estava na tela. O filme, para mim, é bom também por isso, por me mostrar que eu tenho um lado podre’” (ASSIS, 2007a). Ressalte-se, ainda, que nesse caso o corpo típico escolhido pelo diretor era de uma jovem atriz que deveria parecer uma adolescente na tela. Parece-nos claro que a sintomatologia de imagens em Assis deve ser passível de críticas, principalmente quanto à exposição prolongada de corpos femininos em Baixio das bestas, sobretudo se comparada com o pudor com relação aos corpos masculinos no mesmo filme. Corre-se o risco, na conjugação de sordidez e beleza, de fazer com que o prazer da imagem e pela imagem se sobreponha ao desconforto necessário para a produção do sintoma em civilização. De todo modo, julgamos encontrar aqui um método de Assis na primeira fase da sua carreira, o qual implica ver na imagem a potência de um sintoma, capaz de conjugar experiência estética e ação imediata no mundo. |
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Bibliografia | ASSIS, Cláudio. Chega de pintar porcelana! In: Revista Trópico, 30 mai. 2007a. Disponível em: . Acesso: 07 set. 2016. |