ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Da mise-en-scène à mise-en-salle: cinema violento e violentado |
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Autor | Leonardo Esteves |
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Resumo Expandido | A curta trajetória cinematográfica de Serge Bard orbita em torno do Maio de 68. Do primeiro longa, Détruisez-vous, filmado em abril de 1968, ao curta-metragem dirigido a seis mãos, Actua 1, passando pelo resultado visual da parceria com o fotógrafo Henri Alekan em outras duas obras, tudo parece reverberar o Zeitgeist. Peça chave na criação do grupo Zanzibar – que prevê uma relação homonímica com seu nome, Ser-ge-Bard/ Zan-zi-bar (SHAFTO, 2007, p. 22) –, o ex-estudante convertido em cineasta durante um período que compreende pouco mais de um ano é contemporâneo à efervescência militante e seu arrefecimento. A identidade de realizador vai ser suprimida por volta de 1969, motivada por uma conversão religiosa. Desta breve, mas intensa, passagem pelo cinema, Bard expressou formalmente, em poucas linhas, o desejo de desconstruir a arte cinematográfica. Ou, ao menos, de guerrear com ela, como conclui sua participação no texto coletivo Quatre manifestes pour un cinéma violent, assinado também por Patrick Deval, Daniel Pommereulle e Philippe Garrel, igualmente integrantes do Zanzibar. Em seu resumido parágrafo de intenções, a menor tese do opúsculo (publicado em junho de 1968), o então cineasta propõe: “la mise-en-scène doit être mise-en-salle”/ “o colocado-em-cena deve ser colocado-em-sala”. Ao se levar ao pé da letra a intenção de construir um cinema violento, imerso em uma desconstrução que é heterogênea entre os diversos grupos que produzem filmes a partir (e por causa) do Maio de 68, é preciso se interrogar em que bases esta investida se dá. Ou melhor, do que consiste a violência e como ela se aplica no interior dos filmes. Para Bard, esta violência é um termo de restituição que devolve um espaço físico que historicamente delimitou a distância entre o espectador e a tela. É, portanto, função do filme suprimir a distância a partir de interrogações que irão reverberar no espectador, o retirando da passividade protocolar (da mise-en-scène à mise-en-salle). Esta violência, tomando como referência o repertório de afinidades próximas a Bard, repercute as ideias de Alain Jouffroy. Personagem importante para pensar a desconstrução da arte nos entornos de 68, Jouffroy é uma influência no trabalho de Bard e do grupo Zanzibar. Monta Actua 1 e atua em Détruisez-vous. Prega a abolição da arte, que passa pela defesa dos pintores da figuração narrativa (do qual faz parte Pommereulle, que também versa sobre o cinema violento). Apoia a integração das artes no combate ao desenvolvimento imperialista e denuncia a tecnicidade da arte. Mas o faz considerando a supressão do espaço entre espectador e obra, intermediando um método de meditação (JOUFFROY, 2011, p. 24, 25). São os atos do espectador organizados pelo pensamento que irão preencher o espaço entre ele e obra. Os atos são a finalidade da abolição da arte apontada por Jouffroy, que está retomando abertamente as ideias de Artaud em seu teatro da crueldade, propondo uma reação no espaço. Nesta utilização do espaço reside a diferença do teatro épico brechtiano. Enquanto Brecht estaria sugerindo o distanciamento, Artaud o estaria subtraindo (RANCIÈRE, 2008, p. 10, 11). O refinamento do olhar na proposta brechtiana vai ainda resultar na passividade do público durante a ocorrência do evento (peça, filme). Com Artaud, a postura do espectador está relacionada à performance. A mise-en-salle proposta por Serge Bard está alinhada a este conceito. A autodestruição que dá nome a seu primeiro filme (Déstruisez-vous) inicia esta perspectiva já no plano de abertura. No olhar prolongado e silencioso de Caroline de Bendern para o espectador prefigura-se o que será reiterado como o cinema violento, estendendo ao público uma motivação reativa. Mais à frente, Bard vai alargar o processo. Passa a violentar o próprio cinema em sua estrutura mínima ao promover a supressão do grão em Ici et maintenant e Fun and games for everyone – obras que irão se aproximar das artes plásticas e problematizar a mise-en-scène. |
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Bibliografia | ARTAUD. A. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. |