ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | A pedagogia do dispositivo |
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Autor | Cezar Migliorin |
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Resumo Expandido | Duas linhas fortes, uma que conecta com a terra, outra que não tem chão. A linha da terra tem cara, peso, espaço, fronteira, nome. A linha sem chão vaga, erra, delira, estranha, muda, expande. Como pode o cinema circular entre essas linhas? Como podemos, em um processo pedagógico, com estudantes com pouca ou nenhuma experiência com a escrita ou com a narrativa com imagens, criar possibilidades em que eles estejam engajados em processos criativos que circulam entre o que é dado e o que ainda não tem nome? Falar em uma pedagogia do dispositivo é, em primeiro lugar, retirar o cinema como fim e colocar suas possibilidades e potências em circulação com as coisas do mundo e os próprios sujeitos engajados com seu fazer. Não existe imagem de um lado, mundo de outro, como se o mundo se apresentasse pronto para tornar-se imagem. Trata-se de desenhar, traçar, a cada momento, a cada exercício, filme, experiência, um novo agenciamento de sujeitos, máquinas, estabilidades discursivas e materiais e deslocamentos que não deixam de ser de ordem subjetiva. O dispositivo é antes social e subjetivo que técnico, diria Guattari Estivemos em escolas e universidades, com jovens, professores e também crianças. Com o cinema abandonamos o texto e nos concentramos nas imagens. Poucas imagens. Feitas a cada momento com máxima atenção. Por vezes cinco fotos, um plano, uma regra simples. Uma página jamais em branco, sempre pré-habita pelo mundo mesmo. Se nada for feito, é o quadro, o recorte espacial e temporal que colocará o ato criador no centro do que chega do mundo. O dispositivo entre o controle e o descontrole. Procedimentos abertos ao acaso, demandando a intensidade da atenção. Como escreveu Ferdinand Deligny “As coincidências não nos pedem nada; basta percebê-las, e, uma vez desenvolvido o golpe de vista, elas se multiplicavam diversificando-se” (DELIGNY, 2015, p. 57). O dispositivo é desprovido de toda necessidade, intenção, meta, objetivo. Ou um outro sentido para o que escreveu Jairo Ferreira “Quanto mais imprecisão, mais poesia cinematográfica.” (FERREIRA, 2016, p.21) Nesta comunicação apresentaremos desdobramentos e propostas de uma “pedagogia do dispositivo” a partir dos trabalhos realizados nos últimos anos em diferentes experiências com estudantes e professores, sobretudo ligadas aos trabalhos desenvolvidos no Kumã, Laboratório de pesquisa e experimentação em Imagem e som, da UFF. Estes trabalhos são, em sua maioria, parte de experiências pedagógicas desenhadas a partir propostas de dispositivos inspiradas no cinema estrutural e nos filmes-dispositivos como trabalhados deste o início dos anos 2000 por pesquisadores como Jean-Claude Bernardet, Consuelo Lins e este que aqui escreve. Tais desdobramentos trazem grande desafio para os pesquisadores. Por um lado faz-se cinema: são crianças-cineastas, estudantes-cineastas, professores-cineastas. Por outro, trata-se de novas conexões criativas com o mundo conhecido: novas redes, novas experiências estético-narrativas para sujeitos e grupos. Uma pedagogia do dispositivo é inseparável de uma relação sensível com o mundo, o que implica uma atenção com as formas de sentir e ver que advém com o cinema. Um cuidado que se espalha entre as formas de ser e o mundo em que o dispositivo circula e faz circular. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Caminhos de Kiarostami. Editora Companhia das Letras, 2004. |