ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Arábia. O narrador que tarda, as pessoas que falam devagar |
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Autor | Fernando Morais da Costa |
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Resumo Expandido | Arábia traz um narrador em primeira pessoa cuja voz ouvimos apenas depois de um longo prólogo. Durante um tempo razoável da exibição do longa-metragem o dono daquela voz não surge como um personagem central. A partir do momento em que tal voz aparece, podemos entender que somos guiados por um narrador improvável. Um narrador que nos diz não ser bom com as palavras. Que não sabe escrever bem, embora as palavras que escutemos, e que escutaremos até o fim do filme, venham da leitura de um caderno seu. Arábia se insere, dessa forma, na longa tradição de filmes epistolares, da qual fazem parte, entre outras, obras de Agnès Varda, Cartas da Sibéria e Sans Soleil de Chris Marker, parte da produção fílmica de Marguerite Duras. A voz do narrador em Arábia traz as marcas de um sotaque interiorano, mineiro, a cadência ralentada, que os personagens à sua volta também produzem em suas falas. Analisar tal voz é dar continuidade ao projeto de pesquisa que vem baseando seus resultados nos pressupostos cunhados por Roland Barthes, por Don Ihde. Assim, Arábia une-se aos filmes de Miguel Gomes, de Marcelo Gomes, de Karim Aïnouz. Os ruídos produzidos nos ambientes de trabalho, nas fábricas, constituem parte importante da sonorização do longa-metragem. Em determinado momento, a voz que narra nos diz que parou de escutar. Que seus ouvidos “se fecharam”. Partilhamos esse silêncio com o narrador. Temos ali um caso curioso, e não inédito na história do cinema, de partilha de um ponto de escuta não a partir do que o personagem ouve, mas a partir do que ele deixa de ouvir. Para além das relações entre voz do narrador, silêncios e imagens, cabe destacar também em Arábia a importância das performances musicais. Os personagens se refugiam da rotina árdua do trabalho e da pobreza ao estabelecerem, no seu cotidiano entre a casa e a fábrica, uma rotina de canções, tocadas nos violões e cantadas. Trata-se de criar um território seguro através das canções, um espaço de segurança para eles próprios, relação essa entre território e sonoridades que tem sido revisitada por algumas pesquisas brasileiras recentes. |
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Bibliografia | BARTHES, R. The grain of the voice. In: STERNE, J. (Ed.). The sound studies reader. New York: Routledge, 2012. p. 504-510. |