ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | 50ANOS DE TERRAEM TRANSE:PARADOXOS DA CONSCIÊNCIA DO POPULAR EMGLAUBER |
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Autor | Fernão Pessoa Ramos |
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Resumo Expandido | Em maio de 2017 comemorou-se o cinquentenário do lançamento de Terra em Transe. Apesar dos primeiros longas do Cinema Novo serem mais intimistas, tanto a produção ligada aos CPCs da UNE, como o primeiro longa de Glauber (Barravento) e Os Fuzis de Ruy Guerra, desenvolvem um universo ficcional no qual a figura do povo surge como alteridade. Olha-se para esse ‘outro’ inicialmente com desconfiança e espanto, depois com exasperação e má-consciência e, finalmente, com deslumbramento. Terra em Transe corresponde a este segundo momento. Glauber nunca evoluiu para o terceiro momento, do deslumbramento, no qual desembocam alguns de seus pares e a primeira produção da Retomada na virada do século XX. Dobrou-se sobre si e sobre a alteridade popular esticando-a, pelos limites do transe, até uma representação dilacerada, marcada pela imagem da exacerbação das pulsões interiores, no limite da fala não discursiva e da representação direta das sensações. Terra em Transe é o momento em que fica claro que o compromisso com a boa consciência altruísta não seria possível. O abismo se trinca e o personagem Paulo Martins é o protagonista da ruptura. Paulo Martins tem um grande tormento, uma grande culpa que carrega nas costas e atravessa o filme como móvel: ele, no fundo, despreza o povo e sua passividade, sua servilidade, “seu sangue sem vigor”, como diz a determina altura. É um desprezo que surge desde a sequência no início do filme, quando conflita o líder camponês recriminando-o de ser “tão covarde, tão servil” e define o ‘outro-popular’ como “gente fraca sempre, gente fraca e com medo”. A fissura da consciência sobre o outro popular, visto como ‘alienado’, dilata-se em exasperação conforme a narrativa avança. O protagonista sente-se culpado, mas não se dispõe a lidar com esse sentimento de modo passivo, purgá-lo na compaixão. Ativamente cria, no contraditório, um clímax barroco de afetos. A negação do povo por Paulo Martins tem um fundo de culpa, equivalente àquela que nutre a negação cristã do filho, ao Pai, na cruz. Não conseguindo escapar do autoflagelo pela negação da cultura popular vista alienada, abre fenda para a comiseração na culpa. Da acusação de “irresponsabilidade política” à afirmação positiva da “irracionalidade” na experiência do transe, há o passo que Glauber dá, em 1971, na direção do manifesto conhecido como “Eztetyka do sonho” . Nesse texto temos o Glauber de uma fase posterior, que manda às favas as demandas de ‘responsabilidade’ que cercam a ideologia do ‘povo alienado’ e do saber da reificação, carregadas pela razão instrumental do engajamento esclarecido. Assume sem remorsos e sem culpa a potência das pulsões e o transbordamento irracional, em busca do que chama de “integração cósmica”. Terra em transe é momento de passagem no qual as ‘descontinuidades’ de uma arte revolucionária passam a ser debitadas “às repressões do racionalismo” . A ‘razão da burguesia sobre o povo’, como a define Glauber, é a mesma razão iluminista que fundamenta o didatismo da ‘arte popular revolucionária’ nos manifestos dos Centros Populares de Cultura. O discurso que retrata a ‘razão do povo’ toma uma nova configuração em seu manifesto “Eztetyka do sonho”. Surge sem percalços e dúvidas existenciais e com capacidade para adentrar, de modo afirmativo, o transe místico. É posição que Glauber respirará plenamente somente nos longas do exílio e em seu último filme, Idade da Terra. Em Terra em transe, os dilemas do protagonista com a ordem do discurso burguês de esquerda ainda possuem massa crítica para provocar ebulição e divagações exasperadas. As irrupções dessa ebulição são os ‘mergulhos na desordem’, tão próprios ao protagonista Paulo Martins. |
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Bibliografia | Bernardet, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967. |