ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Assimetrias raciais e de gênero sob a perspectiva da recepção fílmica |
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Autor | Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] |
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Resumo Expandido | Diante da escassez de pesquisas sobre recepção fílmica e sobre a intersecção de gênero e raça nos estudos de comunicação e cinema brasileiros (BAMBA, 2013; FERREIRA, 2017; JACKS, 2014; MASCARELLO, 2009), este trabalho investiga as leituras das/dos participantes de um estudo de recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004), realizado a partir da aplicação do modelo codificação/decodificação de Stuart Hall (2003) em três grupos de discussão (1-estudantes universitários/as, 2-membros de uma associação de idosos/as e 3-servidores/as públicas). Tal aplicação empírica confirma a importância de pensar o cinema também a partir dos sentidos que quem assiste atribui aos filmes (STAM, 2003), com base em seu repertório sócio-cultural e no contexto no qual se desenrola o processo de decodificação. Essa compreensão do caráter plural e ativo dos modos de recepção se deve às contribuições dos estudos culturais, em especial ao modelo codificação/decodificação (enconding/decoding) de Stuart Hall (publicado em 1974), que pensa o processo comunicacional em sua totalidade, articulando a representação e a recepção fílmicas, âmbitos distintos mas interligados no circuito contínuo de produção de sentido; e entende a decodificação a partir de três posições: preferencial, negociada e oposicional, ou seja, aceitam os códigos oferecidos pela produção, negociam os sentidos e interpretam a mensagem de forma contrária à codificação, respectivamente. No filme Bendito Fruto, o reencontro entre o cabeleireiro Edgar e a viúva Virginia, antigos colegas de escola será o estopim para transformações no relacionamento inter-racial não-assumido que Edgar tem com Maria (filha da empregada da família dele), com quem convive desde criança e com quem tem um filho (Anderson), também não- reconhecido. Dessa forma, essa comédia brinca com as aparências que estruturam nossas relações e práticas cotidianas, tão afetuosas e tão repletas de fronteiras sociais e raciais, evidenciadas nas formas de tratamento e de reconhecimento social em que Maria e Virgínia são representadas, a partir das quais as/os participantes da pesquisa de recepção fílmica desenvolvem leituras preferenciais, por meio da negação de desigualdades no âmbito afetivo (grupo 2); e leituras negociadas, com a oscilação entre a naturalização e a percepção das assimetrias raciais e de gênero, quanto à condição de inferioridade da mulher negra no âmbito afetivo, à não aceitação do homem negro como parceiro ideal e à recusa de descendentes de relações inter-raciais (grupo 2). Também a compreensão das clivagens entre as duas personagens femininas no espaço fílmico (grupo 1) e entre as mulheres brasileiras na esfera profissional, no exercício da maternidade e na prática do aborto (grupos 1 e 3) se constituem leituras negociadas. Emergem ainda leituras oposicionais com a ênfase na postura altiva da personagem Maria diante da traição de Edgar como uma inovação na representação feminina negra (grupos 1 e 3); a identificação com a capacidade de agência dessa protagonista negra e a compreensão do cuidado e da atuação no espaço doméstico como uma forma de protagonismo da mulher negra (grupo 3). Embora ainda seja predominante a condição de (in)visibilidade das mulheres negras (na sociedade e na produção cinematográfica brasileira), outros sentidos também são possíveis na recepção, o que corrobora a dimensão polissêmica do discurso fílmico, interpretado pelas/os espectadoras/es na complexidade de suas práticas cotidianas, de suas experiências pessoais e de seus vínculos de pertencimento. |
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Bibliografia | BAMBA, Mahomed (Org). A recepção cinematográfica: teoria e estudos de casos. Salvador: EDUFBA, 2013. |