ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | As muitas camadas de uma imagem de arquivo |
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Autor | Vanessa Maria Rodrigues |
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Resumo Expandido | A proposta desta comunicação é promover uma reflexão acerca da reutilização das imagens de arquivo na produção audiovisual contemporânea e pensar o quanto esses registros contêm resquícios que reverberam mesmo quando ressignificados e transplantados para outros contextos. Partindo da noção de vestígio, tomada de empréstimo dos estudos da historiadora francesa Sylvie Lindeperg sobre o “filme palimpsesto” (LINS; BLANK, 2002), juntamente com a concepção do historiador e crítico de arte francês Georges Didi-Huberman de que todo arquivo é lacunar e, por isso, necessita de uma constante investigação, cruzamento de informação e montagem com outros materiais para adquirir legibilidade (DIDI-HUBERMAN, 2012), apresentamos uma pequena discussão sobre o curta Cemitério da Memória (Marcos Pimentel, 2003). O documentário é composto por arquivos audiovisuais — filme de família, filme amador, cinejornais, videoclipes, spots de rádio, músicas — que retratam a vida cotidiana de pessoas anônimas da cidade de Juiz de Fora (MG) durante as décadas de 1920 a 1990. E mais do que um trabalho histórico de retomada de imagens do passado, ecoa para a ideia de que nenhum registro é inocente, que guarda em si certas intencionalidades, estereótipos sociais e comportamentais de uma época e lugar e a política como gesto indissolúvel das demais partes da vida. Tendo isso em vista, será analisado o bloco de imagens e sons que compõem a década de 1960. Nesse compilado do curta, há fragmentos de cinejornais sobre o carnaval misturados ao desfile de tropas e caminhões militares percorrendo as ruas do município e, posteriormente, registros de várias pessoas protestando. O interessante nesse trecho é que como o diretor não encontrou imagens em movimento da resistência da população juiz-forana em meio à ditadura, ele utiliza arquivos que não são da cidade para criar uma metáfora visual de que a população não aceitou o novo regime com inércia, de que esse período não foi só de alegria e ordem como os registros locais poderiam sugerir. Acrescido a isso, pretendemos também fomentar as discussões sobre o elitismo presente nas imagens. Partindo de um rápido registro em que uma babá negra dá papinha a um bebê e é praticamente excluída da cena — dela só aparece o tronco e a ação de levar a colher à boca do menininho —, pensamos o espaço destinado a essas profissionais tão importantes para o cuidado dos filhos dos patrões, mas que pouco estão presentes nos arquivos de família. Além disso, ao longo de Cemitério da Memória só vemos uma sequência de imagens da periferia de Juiz de Fora — mesmo assim dá para perceber que não são os próprios moradores que fazem seus registros, é um olhar externo. Ambas as situações levam ao entendimento de que o fazer fílmico, até por volta dos anos de 1990, era um processo caro e sendo assim, era a elite, rica e branca, que se filmava. O objetivo da análise desses excertos citados acima é corroborar com o pensamento de que diante do arquivo é preciso sempre desconfiar e, por isso, a importância de tencioná-lo com diferentes fontes a fim de gerar outros possíveis raciocínios. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. A migração das imagens. In: TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (Org.). Documentário no Brasil: tradição e transformação. São Paulo: Summus, 2004. p. 69-79. |