ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Da ausência: um diálogo entre os cinemas de Antonioni e Zvyagintsev |
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Autor | Henrique Codato |
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Resumo Expandido | Em 1961, durante o XIV Festival de Cinema de Cannes, Michelangelo Antonioni lança seu filme A Aventura (L’Avventura, 1960), história de Sandro (Gabriele Ferzetti) e Anna (Léa Massari), jovens noivos que partem em um cruzeiro pela Sicília na companhia de um grupo de amigos. Durante a viagem, Anna desaparece misteriosamente, e seu sumiço acaba por aproximar Sandro de Claudia (Monica Vitti), melhor amiga da moça, com quem passa a viver uma intensa e instável história de amor assombrada pelo fantasma de Anna. Entre paixão e ressentimento, culpa e resiliência, o filme estende o drama vivido exteriormente para o interior dos dois personagens, lançando-os em uma situação de absoluta deriva, a “navegar de uma ilusão a outra, agarrados ao desejo, sua única certeza fugaz” (HOLDEN, 2006) . Filme sobre a ausência, A Aventura esconde um mal estar invisível e impalpável, que desliza pela narrativa desde seu início, mas que se agrava, com notável intensidade, a partir do desaparecimento de Anna. Tal desaparecimento – que segundo Pascal Bonitzer (apud CHATMAN e FINK, 1989), é tanto de ordem física (do campo filmado) quanto metafísica (no espírito das personagens e do espectador) – provoca uma quebra na narrativa cinematográfica, fazendo com que o filme mergulhe num imenso vazio, definido pela errância dos corpos filmados, e abrindo-se para “uma reflexão sobre a desordem do homem face ao tempo que passa” (BONITZER apud CHATMAN e FINK, 1989). A obra esboça, segundo o próprio Antonioni, uma imagem paradigmática do homem moderno, que situado em um mundo marcado pela violência das guerras e em vertiginosa transformação, sem saber onde depositar suas crenças, encontrar-se-ia desprotegido e abandonado, destinado a vagar perpetuamente pelo deserto de seu próprio desejo. Em 2017, mais de cinquenta anos depois, o diretor russo Andrey Zvyagintsev vai a Cannes apresentar Desamor (Nelyubov, 2017), história de Boris (Alexey Rosin) e Zhenya (Maryana Spivak), que apesar de separados, continuam a morar no mesmo apartamento com o filho de 12 anos, Aliocha (Matvey Novikov), à espera de um futuro comprador para o imóvel. A relação do casal é absolutamente insustentável, com direito a discussões acaloradas, rompantes violentos, gritos e desagravos, enquanto o garoto sofre em silêncio com a situação abusiva imposta pelos progenitores. Um dia, porém, o pequeno Aliocha foge, perde-se em meio à floresta, e sua ausência, notada 36 horas depois do desaparecimento, faz com que o filme se transforme num degradado e complexo retrato psicológico da sociedade russa contemporânea, para a qual o egoísmo e o individualismo servem tanto de filosofia como de razão. Apesar de referir-se mais propriamente a Rússia, seu país natal, Zvyaginstev defende o inegável caráter universal de Desamor, na medida em que o filme aborda questões e dilemas que atravessam o próprio gênero humano. O desaparecimento de Aliocha, que representava um obstáculo para seus pais em suas respectivas novas vidas conjugais, não se converte em alívio ou fonte de libertação, mas transforma-se em motivo de mais frustração, indiferença e dor. Com enquadramentos geométricos, por entre constrangedores silêncios e não ditos, o filme coloca-nos diante de uma humanidade sem qualquer traço de transcendência possível, com personagens sem alma, “destinados a errar, raivosos e solitários, como sombras atormentadas” (MURAT, 2017). Estamos, pois, diante de duas obras cinematográficas definidas pelo signo da ausência e pelo gesto da errância, e que se constituem como alegorias – no sentido que Ismail Xavier dá ao termo, em diálogo com Walter Benjamin – do homem, do cinema e de seu respectivo tempo histórico. Colocá-las em diálogo, cotejá-las a partir de uma perspectiva comparativista, pensando em questões formais e narrativas originárias do enigma do desaparecimento, torna-se, assim, um convite para refletirmos sobre as articulações entre o visível e o invisível construídas pelos cinemas moderno e contemporâneo. |
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Bibliografia | ANTONIONI, M. Les Maladies des sentiments. Cahiers du cinéma n.459, Sep. 1992. |