ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Um passeio pelo espaço de Nunca Fomos Tão Felizes |
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Autor | Fabiano Grendene de Souza |
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Resumo Expandido | Esta comunicação é fruto do projeto de pesquisa "Brasil em Transição (1979-1988): o cinema de ficção entre os resquícios da ditadura e a chegada da democracia". Tal projeto, desenvolvido com aporte da PUCRS, busca debater as visões de um país, as representações de uma sociedade, produzidas por filmes de ficção realizados durante a transição democrática brasileira (1979-1988). O projeto privilegia películas que expõem o impasse (ou mesmo a convivência) entre o fim da ditadura e o início da democracia. Um dos primeiros movimentos da pesquisa propõe análises dos filmes ancoradas na questão do espaço. Como nas reflexões de Antoine Gaudin (2015), em nossa investigação o espaço não é apenas uma geografia ou um cenário, mas um fenômeno dinâmico produzido pelo filme, marcado pelo encontro dos ambientes com diversos elementos cinematográficos, como os enquadramentos, o ritmo e a luz. Relacionando a problemática do espaço a um dos filmes analisados, esta comunicação tem por objetivo examinar tal questão em Nunca Fomos Tão Felizes (1984), de Murilo Salles. No filme, Beto (Cláudio Marzo), um militante político, retira o filho Gabriel (Roberto Bataglin) de um colégio interno e deixa-o em um apartamento na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, onde, em tese, seria possível uma convivência cotidiana entre os dois. Nossa abordagem do espaço parte da locação principal (o apartamento) e suas características físicas - a amplitude, o vazio e as janelas, que deixam entrever o mar, as ruas e o neon de um hotel. A partir daí, nos interessa pensar como elementos do cenário espelham características de cada personagem e da relação entre eles. Tomemos como exemplo o neon do hotel. De um lado, o vermelho do neon refletido no apartamento lembra o sangue desferido pela ditadura contra participantes da luta armada; por outro, o neon não deixa de ser um elemento que pode ser associado a outros objetos presentes no filme - a TV e a guitarra - , característicos da juventude posterior àquela que militou nos anos 1960. Assim, a presença constante do neon não deixa de enfatizar o abismo geracional enfocado pelo filme. O apartamento ainda oferece outras possibilidades de leitura. Graças à movimentação de câmera (em geral feita com travellings), a relação dos personagens com o fundo oscila constantemente. Por isso também analisaremos momentos em que pai e filho são mostrados lado a lado, mas com fundos diferentes. Em um dado instante, os dois conversam, o mar atrás deles. O pai tem uma janela aberta atrás de si; o filho, uma fechada. Surge, então, a dicotomia prisão-liberdade, que marcará outros instantes da dupla. Mapeando outros exemplos (a oscilação entre o claustro do apartamento e a amplidão da beira da praia; o choque entre as paredes opacas e as janelas translúcidas), podemos buscar o olhar do filme para os personagens e suas gerações, marcadas por prisões e liberdades distintas. Por fim, o apartamento ajuda a construir uma certa atemporalidade que emana do filme - algo já salientado por Caroline Gomes Leme (2014). Embora a película se passe no início dos anos 1970, o apartamento - e sua geografia fílmica por vezes abstrata - também atua para que brote um discurso sobre o Brasil da primeira metade da década de 1980, caracterizado pela transição democrática. Então, compararemos o uso do apartamento em Nunca Fomos Tão Felizes, com aquele feito por Arnaldo Jabor em Eu Te Amo (1981). A partir deste cotejo, pode-se pensar em como o espaço do apartamento caracteriza um tipo de narrativa cinematográfica urbana brasileira, em que a cidade passa a ser não somente o local da criminalidade, da opressão social ou da festa das elites, mas também do questionamento existencial de personagens de classe média. Desta forma, nosso passeio pelo espaço de Nunca Fomos Tão Felizes inicia em determinados elementos específicos, passa pela relação com os personagens e chega a uma reflexão ligada a determinadas questões do cinema brasileiro dos anos 1980. |
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Bibliografia | BURCH, Noel. Práxis do Cinema. Editora Perspectiva: São Paulo, 1992. |