ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Narrativas inquietantes do horror: o estranhamento em Haneke e Lynch |
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Autor | Rogério Ferraraz |
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Coautor | Gabriel Perrone Vianna |
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Resumo Expandido | A presente proposta de comunicação tem como objetivo a investigação do estranhamento através da análise de duas obras audiovisuais que se inserem no contexto do horror contemporâneo: o longa-metragem O Tempo do Lobo (Le Temps du loup, 2003), de Michael Haneke, e a série televisiva Twin Peaks – O retorno (Twin Peaks – The Return, 2017), de David Lynch. Distintas em diversos aspectos estilísticos, estéticos e narrativos, tais obras se aproximam ao situar suas histórias no ambiente familiar e reconhecível, porém insólito e desconcertante, tornando-se, assim, propícias ao estudo comparativo em correlação ao conceito de inquietante ou estranho proposto por Sigmund Freud. O ensaio de Freud O Inquietante (Das Unheimlich, 1919) oferece muitas indicações para a compreensão de uma estética da estranheza, que merecem aqui serem exploradas para a análise das obras selecionadas. Para o autor, o estranho se contrapõe ao familiar, o próximo, o costumeiro, podendo ser lido como impressões sensoriais e experiências que, ao longo do tempo, foram atribuídas ao sentimento de inquietude ante o desconhecido: “A estranheza seria esse tipo de sensação de medo que afeta as coisas familiares por algum tempo” (FREUD, 1955, p.269). Em sua análise sobre o texto, Eugênio Trías define: “É, portanto, algo que talvez fosse familiar e se tornou estranho e inóspito. Algo que, quando revelado, é mostrado em sua face sinistra, apesar de ser, ou precisamente porque é, na realidade, em profundidade, muito íntimo” (TRÍAS, 2001, p. 39). O conceito freudiano contribui para o entendimento do gênero em seu teor psicológico como uma mistura de mistério e angústia, sendo estes os objetos sinistros ou estranhos catalizadores do medo e da repulsa, mas também do fascínio e da atração. Em O Tempo do Lobo, do diretor austríaco Michael Haneke, personagens, circunstâncias e ações estão em uma outra ordenação de mundo, aclimatado em uma ambiência perturbadora devido a esta realidade própria em que a história se desenvolve em ruptura com qualquer conexão racional ou familiar a um mundo reconhecível. Mattias Fray (2010) destaca o inquietante nexo proposto por Haneke da violência sentida mais pelas situações de tranquilidade, quando o desespero seria o mais natural, e dialoga com os conceitos sugeridos por Hans Ulrich Gumbrecht, sugerindo que, em face à exaustão contemporânea com os processos narrativos e o esgotamento das práticas interpretativas, a melhor alternativa seria buscar uma nova forma de leitura. Em lugar do desvelamento de sentidos, da interpretação da obra, o autor inspira a “ler ambiências”. Os conceitos de ambiência e de atmosfera se mostram eficazes e se referem a determinada ordem de sensações e experiências que uma obra é capaz de despertar em seu fruidor (GUMBRECHT, 2014). “O espectador sente claramente o horror do clima da morte em vida que acossa as personagens. Essa ambiência sombria põe em relevo a dimensão material da experiência fílmica” (FRAY, 2010). Ambiência e atmosfera são fundamentais também para se refletir sobre as complexas e misteriosas narrativas desenvolvidas pelo diretor estadunidense David Lynch. Em várias obras de Lynch, percebe-se o emprego de elementos característicos do horror, dentro de uma proposta ancorada não somente nos gêneros cinematográficos, mas especialmente nos cinemas expressionista e surrealista. Pode-se observar essa marca lynchiana, inclusive, em sua última obra audiovisual, a série Twin Peaks – o retorno, escrita e produzida por David Lynch e Mark Frost e totalmente dirigida por Lynch. Dentre os vários aspectos intrigantes observáveis em Twin Peaks, alguns já presentes nas duas temporadas iniciais da série (1990-1991), o que mais chama atenção é justamente o estranhamento gerado pela sensação de incômodo causada a partir de situações cotidianas e cenas decorridas em ambientes comuns e familiares que se revestem de um caráter sinistro e assustador, próximo, portanto, daquilo que Freud chamou de inquietante ou estranho. |
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Bibliografia | FERRARAZ, Rogério. “Meditações sobre o cinema limítrofe de David Lynch”. In: SUPPIA, Alfredo (Org.). Cinema(s) independente(s). Juiz de Fora: UFJF, 2013. |