ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | A estética da imobilidade na Trilogia do Ser Humano, de Roy Andersson. |
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Autor | Natália Flávia Maia Lima |
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Resumo Expandido | A partir de seus estudos acerca das especificidades que caracterizam a pintura, a fotografia e o cinema, principalmente no que concerne às relações que as obras estabelecem com o sujeito que as observa/vê/assiste, Jacques Aumont identifica diferenças essenciais entre a fruição do olhar sobre uma imagem fixa - no caso, fotografia e pintura – e as imagem em movimento do cinema. Algumas obras, no entanto, mesclam estas diferentes linguagens, apontando para um regime de visualidade híbrido, como é o caso dos filmes que compõem a trilogia do ser humano, de Roy Andersson: : Canções do Segundo Andar (2000); Vocês, os vivos (2007) e Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência (2014). Diversos elementos da mise-en-scène convergem para esta sensação: o modelo de tableau que norteia a decupagem nos três filmes, sempre em planos abertos e fixos, a paleta monocromática, a iluminação frontal e total, sem sombras, e principalmente a encenação, com a movimentação dos personagens rigorosamente marcada nos deslocamentos pelo quadro, ou na própria ausência de movimento – nestes casos tornando ainda mais evidente o diálogo com a pintura e a fotografia. A referência ao teatro passa ainda pela estrutura narrativa, que se aproxima ao formato de esquetes. Cada cena é palco de um micro-acontecimento, de certo modo autônomo, que apenas tangencia a unidade dramática do enredo principal dos filmes. Os acontecimentos que se desenrolam carregam, inclusive, algo de beckettiano, por comunicarem através do absurdo camadas invisíveis do cotidiano. A estética da imobilidade é incorporada na narrativa dos filmes de diversas maneiras, seja pelo trânsito parado dos carros nas ruas, ou quando os personagens estão compenetrados e imersos nos próprios pensamentos, ou mesmo quando carregam com dificuldade malas que de tão pesadas são movidas muito lentamente. Em várias cenas, a paralisia dos personagens revela uma incapacidade em lidar com as situações imprevisíveis que atrapalham a ordem e a normalidade do fluxo. Quando, por exemplo, na cena em que um homem prende a mão na porta do trem e os passantes apenas observam seu desespero, mas não conseguem sair da inação para ajudá-lo. Aliás, em todas as cenas em que um personagem entra em colapso, os outros que o cercam entram neste estado de perplexidade imóvel e hesitante. Em entrevistas, Andersson frequentemente alude a um tema recorrente em sua obra: a dificuldade do povo sueco em lidar com a culpa de ter o país servido ao nazismo na Segunda Guerra (ainda que disfarçado por uma aparente neutralidade). Neste sentido, a passividade perante a dor e o desespero do outro – embora não sem culpa – se inscreve nos corpos, através das posições que assumem e na lentidão de seus movimentos no quadro. Uma passividade que compreende também um isolamento exacerbado e uma dificuldade enorme em estabelecer interações humanas. Mesmo no ambiente doméstico, os diálogos entre casais se dão sempre com um de costas para o outro, com os corpos curvados, que remetem aos personagens dos quadros de Edward Hopper - nos quais o isolamento de ordem psicológica é entendido como questão central. Ao presente artigo interessa sobretudo pensar que a composição ornamental dos filmes de Andersson não se esgota como um virtuosismo imagético de aproximação de diferentes linguagens – o que, por si, também caberia um aprofundamento teórico – mas como esta opção estética é crucial para compor o pensamento que os filmes movimentam. Além de funcionarem como ferramentas narrativas, como já mencionamos, a vagarosidade, a paralisia e a movimentação marcada dos personagens dizem muito sobre o controle ao qual os corpos estão submetidos nos espaços urbanos e de convivência. A coreografia que os corpos performam cotidianamente nas cidades (LEPECKI, 2012) é a matéria-prima que embasa a coreografia dos personagens-figurantes nos filmes; o controle e o caos compreendidos não como estados que se opõem, mas como facetas intimamente relacionadas. |
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Bibliografia | AUMONT, J. O cinema e a encenação. Lisboa, Edições Texto e Grafia, 2008. |