ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | 48, DE SUSANA SOUSA DIAS: VIRTUALIDADES DAS IMAGENS DE UMA DITADURA |
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Autor | Ilma Carla Zarotti Guideroli |
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Resumo Expandido | O filme 48, longa-metragem de Susana de Sousa Dias, título que faz menção à duração da ditadura salazarista (de 1926 a 1974), nasce de uma proposta de relação radical entre a palavra e a imagem – o que parece desaguar em algo similar a um inventário da tortura. O ponto de partida é apresentar fotografias de presos políticos retiradas dos arquivos oficiais da polícia e do exército portugueses ao longo dos anos do regime, junto aos depoimentos dos mesmos em áudios gravados na contemporaneidade. Dentre os milhares de registros pesquisados, foram apresentados os percursos de 16 presos. 48 é provocador porque nos coloca o poder e a complexidade das imagens, fazendo ressoar perguntas tais quais as seguintes: como vislumbrar os escapes em um sistema rígido como o ditatorial? Como dar consistência às linhas de fuga? Por essas direções, é possível quem sabe colocarmos em questão o suposto realismo característico das fotografias judiciais, codificadas em termos ideológicos segundo tradições fixas – Susana vai além ao investigar o que pode transbordar na fotografia dos rostos, o que ali atravessa. O instante da realização da fotografia identificava o preso e marcava a entrada/saída da cadeia, pondo em curso uma espécie de ritual cruel, uma “catalogação” que funcionava como um estranho portal entre o mundo de dentro e o de fora. Diante disso, era preciso assumir alguma postura ao ver-se o preso frente à câmera, fosse encarando-a, fosse desviando o olhar, e isso em todo caso provocava expressões singulares naqueles rostos então para sempre assinalados pela opressão. Quais forças estariam aí virtualmente em jogo? Que forças estariam implicadas nessa condição de um pavor gritante, ou, quem sabe, de uma possível tentativa de resistência, de desafio ao regime, de alguma manifestação frente à implacável prisão? O olhar do prisioneiro encontra o olhar do espectador, pelo que é gerado um circuito impregnado pelos terríveis afetos do dispositivo policial perpetrado no passado e que agora penetra no presente, atualizando-se: “(...) por vezes somos nós que olhamos para a imagem, por outras olhamos para a imagem através do olhar de quem está a falar, por outras ainda é a imagem que olha para nós”. (DIAS, 2011). Enfatizamos a importância de certos autores a serem trabalhados nesta reflexão – Didi-Huberman, Warburg e Deleuze – para uma compreensão do cinema de Susana, especialmente no caso de 48: de diferentes modos, eles se dedicaram a investigar, quanto à condição da imagem, invisibilidades, movimentos, anacronismos, arquivos, memórias, vidências e aspectos da montagem, fornecendo assim uma gama de conceitos e recursos teóricos capazes de enriquecer as análises, dando a ver algumas de suas perspectivas mais incisivas – eis aliás o que aqui estamos circunscrevendo como virtualidades problemáticas capazes de atravessar e movimentar as imagens, compreendidas como matéria viva e pulsante. Didi-Huberman, por exemplo, é mencionado pela própria Susana como referência, especialmente em seus escritos sobre anacronismo da imagem e sintoma – pontos nevrálgicos que permeiam talvez todo o processo da cineasta. As ideias de Didi-Huberman nos levam a considerações sobre Warburg e às maneiras pelas quais este tratava o problema do arquivo, ou seja, como uma espécie de memória viva, passível de diferentes formas de organização e atualização, vide o Atlas Mnemosyne. Finalmente, Deleuze, outro autor que cabe bem nessa constelação, pois elaborou toda uma meditação acerca das conexões entre imagem, tempo e pensamento, numa relação direta com o cinema, ele pode não somente confirmar e reelaborar hipóteses, mas ainda remeter esse conjunto de referências às condições técnicas da produção dos circuitos de sentido através do trabalho de montagem das imagens. Metodologicamente, em todo caso, queremos entretecer um composto de iluminações mútuas e cruzadas, valorizando uma perspectiva: tanto quanto as produções dos teóricos, os filmes são também já, por si e em si, pensamento. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. (2007). Cinema 2 – A Imagem-Tempo. São Paulo: Editora Brasiliense. |