ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Por uma arqueologia especulativa dos roteiros não filmados |
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Autor | Pablo Gonçalo |
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Resumo Expandido | Em 1995, Christian Janicot e Jean-Michel Laplace lançaram a Antologia do cinema invisível: 100 roteiros para 100 anos de cinema. Esta pioneira publicação sinalizava para toda uma plêiade de produções dramatúrgicas e de roteiro importante, consistente, como intenções de autores chaves do século XX que não constam, contudo, nas páginas oficiais da história do cinema. André Gide, Georges Pérec, Sartre, e. e. Cummings, Garcia Lorca e Magritte são alguns dos cem autores escolhidos, que apontam para um diálogo espectral entre cinema e literatura. Embora seja uma antologia essencial para os estudos de roteiro, ela não propõe nenhuma metodologia, nenhum conceito ou mesmo uma reflexão histórica que possa de fato compreender o papel histórico e o potencial de pesquisa dessa descoberta de tantos roteiros não filmados. No campo dos “estudos de roteiro”, os roteiros não filmados possuem algumas pesquisas e análises pontuais. Destaca-se a investigação de Ian W. Macdonald do roteiro de Nosotromo, que seria o último filme de David Lean. Ainda que inaugural, a análise de Macdonald é sincrônica; ou seja, restrita a uma única obra e não possui a intenção de tecer panoramas históricos mais amplos. Esta apresentação visa propor uma reflexão genuinamente histórica e conceitual para tentar abarcar o “problema” dos roteiros não filmados. Nessa linha de pesquisa, já realizamos junções e panoramas históricos dos escritores-cineastas; dos roteiros não filmados de Bertolt Brecht, que assinou mais de trinta argumentos para o cinema e, recentemente, analisamos os roteiros não filmados de Mário Peixoto, célebre cineasta brasileiro, autor de Limite, mas que deixou inúmeros roteiros não filmados, tal como A alma segundo Salustre e Outono / Jardim Petrificado. Nesse momento, portanto, pretendemos inclinar o resultado dessas pesquisas empíricas para questões de fundo mais teóricas, conceituais e mesmo metodológicas. Qual seria a singularidade desses objetos de pesquisa? Como podemos compreender o papel desses arquivos no campo dos estudos de cinema? Proporemos uma compreensão dos roteiros não filmados a partir de uma arqueologia especulativa, como um conceito que fricciona e sintetiza dois campos distintos de pesquisa. Dialoga-se, de um lado, com a arqueologia das mídias, como uma linha de pesquisa que tenta compreender os acontecimentos históricos como não-lineares, mas permeados por latências, negatividades e sobrevivências específicas. Mais detidamente tecnológica, a arqueologia da mídia concentra-se em pesquisar, inventariar, descobrir e analisar padrões e conceitos de tecnologia que não obtiveram o proscênio histórico, e que foram paulatinamente apagadas e soterradas pelos padrões vigentes. Junto com Kittler, Zielinski e Ernst, descobre-se uma série de conceitos de um profundo tempo das mídias que reverbera na temporalidade e na genealogia dos roteiros não filmados. Como compreender positivamente um vetor negativo da história? O campo do realismo especulativo, por outro lado, sugere uma série de reflexões extremamente atuais sobre questões da ontologia e da metafísica. A partir da obra de Alfred Whitehead, o método especulativo visa cunhar objetividade e uma série de eventos e acontecimentos que são externos ao sujeito, inapreensíveis e distantes de um aparato antropocêntrico. Nessa ontologia orientado ao objeto, como a denomina Graham Harman, a especulação torna-se uma forma de abarcar acontecimentos que escapam ao sujeito; ou, por outro viés, uma temporalidade não co-relata à presença humana. Uma arqueologia especulativa dos roteiros não filmados visa, portanto, propiciar uma ampla temporalidade do papel dramático dos roteiros dentro da história do cinema. Se revelar esses roteiros já é sim um gesto arqueológico retrospectivo, vislumbra-se, pela especulação, prospectar estéticas, estilos, gestos, intenções, cenas, momentos e pontos de virada que não lograram para as telas, mas que, potencialmente, quedam como rastros de uma complexa historicidade. |
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Bibliografia | ELSAESSER, Thomas: Film history as media acrheology: tracking digital cinema. Amsterdam University Press, 2016 |