ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | A estética de álbum na montagem de "No pasarán, album souvenir" |
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Autor | Mili Bursztyn de Oliveira Santos |
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Resumo Expandido | Em “No pasarán, album souvenir” o cineasta francês Henri-François Imbert investiga a origem de seis cartões postais encontrados nos guardados de seus bisavós que retratam a entrada de milhares de refugiados espanhóis na França no inverno de 1939, após a derrota das forças republicanas na Guerra Civil Espanhola (1936-39). A partir das imagens impressas nos postais, Imbert descobre que o governo francês enviou os refugiados espanhóis para locais denominados de campos de concentração. Neles, muitos dos quais construídos nas praias do sul da França, os espanhóis foram submetidos a condições de higiene e acomodação desumanas. Nascido em 1967, Imbert dirigiu nove filmes em parceria com a sociedade de produção Libre Cours, criada em 1992. O processo de realização de “No pasarán” aconteceu ao longo de 10 anos. Neste período, ele dirigiu os documentários “Sur la plage de Belfast” (França, 1996) e “Doulaye, une saison de pluies” (França, 1999). Em 2008, o cineasta lançou “Le temps des amoureuses” (França). A análise comparativa entre os quatro filmes objetiva demonstrar o depuramento do pensamento estético do cineasta e aprofundar a análise da montagem em “No pasarán”. Em “No pasarán”, Imbert organiza os postais reproduzindo a estrutura de um álbum, que serve para organizar fragmentos de memória colecionados ao longo do tempo. Os cartões aparecem dispostos sobre um fundo preto e, ao filmá-los, o cineasta respeita sua natureza estática, evitando compensar a fixidez das imagens com movimentos de câmera. Isso valoriza a materialidade documental dos postais e a forma singular desses objetos iconográficos. É através da montagem que Imbert aprofunda o diálogo entre passado e presente. Em artigo sobre “Retratos de Identificação” (Brasil, 2014), Anita Leandro (2015, p.105) destaca a importância da montagem enquanto o espaço em que os documentos trabalhados por ela no filme puderam ser “associados (...) a outros documentos e falas”. Leandro (2015, p.116) atribui à montagem de arquivos uma dupla função: a de “restaurar a superfície da imagem” e a de “escavar suas camadas mais profundas”. Da mesma forma, a montagem em “No pasarán” coloca em diálogo falas, documentos e locais. Valorizar o documento é uma preocupação do diretor, que não economiza no tempo de exposição de cada postal. Ao retornar, sempre que necessário, a uma imagem, a montagem do filme alude ao manuseio das páginas de um álbum. Além de diretor, Imbert é personagem de seus filmes e se faz presente por meio da narração na primeira pessoa. A experiência adquirida num filme é levada para o seguinte, extrapolando os limites de cada trabalho. Por meio da narração, Imbert faz referência a situações vividas em filmes anteriores. Assim, o cineasta estabelece um diálogo entre as obras. Considerando, na análise da montagem de “No pasarán”, outros filmes do diretor, constata-se que a técnica utilizada na realização de cada trabalho se prolonga nos demais. A interlocução entre as quatro obras também é construída por meio de escolhas estéticas que atribuem ao conjunto da filmografia uma homogeneidade no tratamento da matéria visual e sonora. O cineasta parece perseguir o aprimoramento de seu método de montagem. Como consequência deste efeito de continuidade, aspectos da intimidade do diretor são sutilmente introduzidos pelas imagens e pelo texto da narração. Desta forma, os filmes de Imbert refletem o exercício de uma escrita de si (FOUCAULT, 2012) que encontra no espectador a escuta necessária. O formato de álbum de lembranças dado a No pasarán também é alcançado por meio de recursos de montagem como a repetição. Assim como para Agamben (2007) o gesto de repetir não produz um “retorno do idêntico”, a repetição dos postais na montagem de “No pasarán”, não restitui o passado exatamente como ele foi, mas apresenta novas leituras e arranjos. Neste sentido, o próprio filme assume a forma de um álbum de lembranças em que o cineasta monta e remonta imagens e vivências coletadas ao longo de 10 anos. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. “Notas sobre o gesto”. In: Arte e Filosofia, Ouro Preto, n. 4, p. 09-14, jan. 2008. |