ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Ensaiar o vídeo, montar a marcha, forjar o gesto, devolver o olhar |
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Autor | Alessandra Soares Brandão |
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Coautor | Ramayana Lira de Sousa |
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Resumo Expandido | Para Georges Didi-Huberman (2015), os procedimentos de reorganização das imagens na montagem se bifurcam em, por um lado, a apropriação de um autor soberano (Godard), e, por outro, a devolução das imagens por um produtor não exclusivo e não soberano (Farocki). No desvio dessa postura dualista das operações de montagem do cinema no vídeo-ensaio, propomos uma possibilidade de reorganizar imagens de mulheres no cinema latino-americano pautadas pela insubmissão e pelo deslocamento de um lugar de pertença para, com isso, reinventar essa pertença num movimento político, uma marcha que se coaduna na cumplicidade e na complexidade do olhar para si e para o mundo. Sem intentar nem tanto a posse incontestável, nem a irrestrita emancipação dessas imagens na forma de devolução, como Didi-Huberman percebe os procedimentos de Godard e Farocki, respectivamente, propomos uma outra linha de raciocínio, que leve em conta as operações de olhar que as imagens promovem e que constituem um dos aspectos fundantes da crítica de gênero no cinema (MULVEY, 1999). Em um primeiro momento, podemos pensar a dimensão intertextual do vídeo-ensaio como um procedimento de correlação entre as imagens. Nesse sentido, Catherine Grant nos ajuda com um laço mais direto entre a referencialidade das imagens e os mecanismos de memória cinéfila que o vídeo-ensaio promove. No artigo “Déjà-viewing? Videographic experiments in intertextual film studies” (GRANT, 2012), o jogo de palavras que compõe o título já antecipa essa relação entre o ver e dar a ver que constitui a forma processual do ensaio que se faz a partir de imagens do cinema: a complexa relação da espectatorialidade (memória cinéfila) com a montagem (a ressignificação das imagens). Aqui, abre-se a fenda entre ver, sob uma determinada lógica, e dar a ver em outros sentidos, sob uma lógica diversa, e que queremos problematizar também na chave do olhar que se devolve. Se para Blanchot, “ver é sempre ver à distância, mas deixando a distância devolver-nos aquilo que nos tira” (2001, p. 67), reivindicamos que, quando o cinema nos sonega a possibilidade de olhar, precisamos mais que nunca recuperar a potência desse olhar. Um olhar não universalizante, interseccional (CRENSHAW, 1989), que reconhece a potência da oposição (hooks, 2003) e da descolonização (CUSICANQUI, 2010). Por conseguinte, quando a potência de olhar se recupera, ela precisa reconhecer que um olhar pode ser devolvido. Resta aí uma política de corresponsabilidade que o gesto de olhar e ser olhado constrói, e que modula, nas fendas do visto e não visto, um pequena revolução de pensamento, um modo de desorganizar a hierarquia de poderes que institui quem olha e quem é olhado. Se no trabalho de Godard e Farocki, como quer Didi-Huberman, a relação com as imagens se dá sob a ordem da soberania ou sua negação, entendemos que essa relação se dá sempre por um critério de posse - você só devolve aquilo que em um dado momento possuiu. Logo, queremos pensar a política dessa posse também na perspectiva da espectatorialidade “possessiva” e “pensiva”, teorizada por Laura Mulvey (2006). Autora que instaurou a problemática do olhar construído no cinema clássico hollywoodiano como central para os debates em torno das questões de gênero no cinema, Mulvey retoma a política do olhar justamente no contexto contemporâneo em que tecnologias digitais tanto permitem a “posse” fetichista da imagem cinematográfica quanto possibilitam a pausa e a desacelaração do seu fluxo e, com isso, o aparecimento de uma espectatorialidade que “pensa”, seja a própria imagem, seja o mundo ao redor. A proposta aqui tem uma dupla feição: é, ao mesmo tempo, a reflexão teórico-metodológica sobre o gesto de justapor as imagens de mulheres produzidas no cinema latino-americano e a criação do vídeo-ensaio, que é realizado como expressão videográfica desse pensamento. Entre a posse e o pensamento, queremos mover as imagens das mulheres latino-americanas e interrogar o olhar do/no cinema. |
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Bibliografia | BLANCHOT, M. A conversa infinita: a palavra plural. SP: Escuta, 2001. |