ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | As estratégias estéticas de “Arábia” em perspectiva comparada |
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Autor | Pedro Vaz Perez |
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Resumo Expandido | O objetivo do trabalho é investigar o filme Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumans, a partir das estratégias estéticas evocadas para construir as imagens de uma obra que tem como fio condutor a narração off do protagonista, tendo a encenação e as funções desempenhadas pelo quadro como principais categorias analíticas. Nesse sentido, buscaremos realizar um cotejo com o trabalho de Leon Hirszman, sobretudo São Bernardo. Acreditarmos que, não só em relação ao conteúdo, mas também à expressão, as obras compartilham escolhas em comum para o desenvolvimento da narrativa fílmica. Longe de esgotar as leituras possíveis, ao tecer aproximações entre as obras buscamos iluminar a experiência com os dois projetos em suas relações estético-políticas. Arábia filma a saga do trabalhador Cristiano em busca de reencontrar um lugar na sociedade. Vemos em cena corpos que lutam pela sobrevivência em meio ao deserto do capital. O filme resgata no contemporâneo as temáticas do trabalho e da classe, a exemplo do que constrói Leon em sua filmografia. Parece-nos interessante que, quatro décadas depois, o filme condense imagens do trabalho agrário, em uma pedreira, e no espaço insalubre de uma usina. Assistir Arábia, em alguma medida, é viajar pela obra de Hirszman. Em comum entre os dois projetos separados pelo tempo, há o aspecto corrosivo das vidas pelo capital, por vezes acompanhado pelo signo da morte (XAVIER, 1997). Se em Leon as obras apontam sempre para a coletividade como forma de resistência aos imperativos da opressão, Arábia aponta para a solidão e o afrouxamento dos vínculos de comunidade, sintomas de um tempo em que o capital modula as subjetividades de maneira cada vez mais sofisticada. Mas, é, sobretudo acerca das estratégias estéticas para compor um filme com narração off que traçaremos similaridades entre São Bernardo e Arábia. Como propõe Bordwell (2008), um dos trabalhos de um cineasta é o de resolver os “problemas” na passagem do roteiro à cena. Após a instauração do dispositivo que organiza o filme, a leitura do caderno de Cristiano, como forma de fugir à redundância entre o que se diz no texto e sua ilustração pela imagem Arábia opta, com frequência, pela sucessão de longos planos gerais ou de conjunto, sem que haja necessariamente coerência espaço-temporal entre elas. Formam-se espécies de esquetes com a interpretação teatralizada, com a câmera centralizada em relação à ação dramática. Esta se desenvolve, no mais das vezes, a partir da imobilidade de corpos e objetos, valorizando as bordas do quadro enquanto limite, ora trabalhando o jogo de centralização e desenquadramento (AUMONT, 2004) dos personagens em relação à câmera. À diferença de A Vizinhança do Tigre, há um maior investimento na geometria e na plástica da composição a partir de linhas e massas, reforçando o gesto de por-em-quadro, a mise-en-cadre (EISENSTEIN, 2002). Apesar de uma fluida condução da ficção que se dá sempre sob o risco do real (COMOLLI, 2008), flertando com a trilha documental e buscando a realidade a partir do processo cinematográfico ao invés de enquadrar uma ideia pré-estabelecida de realidade, essas escolhas estéticas acabam por construir um contraponto pelo distanciamento do espectador mediante certa artificialidade proposital encontrada em uma encenação que se explicita. Demonstraremos que São Bernardo recorre a escolhas similares para construir as imagens que acompanham a narração off, produzindo efeitos parecidos à experiência do espectador. Evidentemente, Arábia, como obra autônoma, ecoa livremente diversas outras imagens e passagens do cinema e da cultura, e oferece sua originalidade estética ao encarar questões de seu tempo. O intuito será iluminar uma possível leitura demonstrando que, cada um em sua época, os projetos recorrem a estratégias estéticas similares para investigar as formas de vida, corroídas pelo capital, do trabalhador. |
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Bibliografia | AUMONT, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004. |