ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | O cinema contemporâneo do entrelugar e o retorno da experiência |
|
Autor | Angelita Maria Bogado |
|
Resumo Expandido | A teoria da narração de Benjamin, desde os escritos da década de 1930 (Experiência e pobreza, em 1933, e o Narrador, em 1936) aponta para o declínio da experiência. Para estudiosos e teóricos da narração como Márcio Seligmann-Silva (2005) e Jeanne Marie Gagnebin (2009, 2014), a transmissão das narrativas orais fora severamente comprometida diante do horror e do genocídio praticados dentro dos muros de Auschwitz. Em uma sociedade do pós-primeira guerra, os soldados voltavam emudecidos dos campos de batalha. A política do “desaparecimento da história” adotada pelos nazistas foi uma estratégia “de querer tornar Auschwitz inimaginável” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 36). Confinamento, práticas de tortura, cadáveres em valas comuns, corpos sem lápide, arquivos destruídos foram atos deliberados como forma de varrer os vestígios da história. Imagens foram apagadas, palavras foram silenciadas. A ditadura militar no Brasil, implantada nos anos de 1960, trouxe para a nossa história uma destruição de experiência similar. São bastante semelhantes as políticas de apagamento da história adotadas pelos nazistas e pelos regimes militares de toda a América Latina. O Brasil, assim como o mundo, está diante de um processo extremo de desaprender a ver e a dialogar. Para que as histórias não sejam esfaceladas é preciso criar formas de transpor as lacunas para viabilizar a transmissão das experiências. O cinema do entrelugar (tema pesquisado desde 2013) tem sido um espaço dissonante, onde se pode, como pregou Benjamin, “escovar a história a contrapelo” derrubar os muros da história oficial e romper com o discurso dominante. Para falar da importância de se praticar um cinema do entrelugar em um ambiente onde muros interditam o diálogo, muitas vezes impossibilitando o seu transbordamento, vamos nos aproximar do problema levantado por John Dewey “o de recuperar a continuidade da experiência estética com os processos normais do viver” (2010, p. 70), como forma de enfrentar as fraturas do nosso tempo . O cinema contemporâneo tem mostrado como as experiências precisam ser transmitidas para que os processos históricos se completem. Para esta apresentação, vamos trazer para a cena o cinema da Rosza Filmes, Café com canela (2017) e Ilha (2018). São obras que atravessam as fendas, as frestas e os apagamentos da história mergulhando o espectador na magia de um mundo ordinário e comum. Violeta, Margarida, Henrique e Emerson são personagens que nos conduzem a um retorno da experiência. Nos gestos cotidianos de amizade, amor, afeto e saudade escancaram nosso desaprendizado, e mostram como continuamos inábeis em transformar nossas vidas vividas em histórias para se contar e recontar. Pretendemos demonstrar como a mise en scène dos diretores – câmera, montagem, sonorização, a escolha do espaço, e outros elementos da poética fílmica - promovem espaços limiares de conexão e compartilhamento das histórias narradas. Os realizadores Ary Rosa e Glenda Nicácio encontraram no fazer fílmico uma forma de costurar metades separadas: presença e ausência, passado e presente, vida vivida e vida imaginada. Um cinema que nos ensina como nos aproximar da essência indivisível das coisas e assim poder superar as nossas próprias tragédias. |
|
Bibliografia | BENJAMIN, W. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. SP: Brasiliense, 1994. |