ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Espectadores gays, salas de cinema e estratégias de sociabilidade |
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Autor | JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR |
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Resumo Expandido | Em seu estudo sobre espectadores homossexuais, Brett Farmer destaca a importância da espectatorialidade cinematográfica na experiência geral da comunidade gay americana, a tal ponto que “um certo tipo de espectador de filmes acabou se tornando um verdadeiro eufemismo para a homossexualidade masculina em vários discursos culturais” (FARMER, 2000, p. 23). Um dos exemplos mais explícitos seria a utilização, no jargão da subcultura gay americana antes de Stonewall, de expressões que remetem a filmes musicais para descrever pessoas homossexuais (particularmente homens gays), como o termo “musical” em si ou a alcunha “amigo de Dorothy”, em referência direta tanto ao musical da MGM O Mágico de Oz, de 1939, quanto à sua estrela, a atriz (e ícone gay) Judy Garland (FARMER, 2000, p. 74). Mas quais seriam, de fato, as relações entre cinema e homossexualidade masculina, para além destes usos eufemísticos? Um primeiro aspecto a ser considerado é o espaço em si das salas de cinema como locais de encontro homossexual, ou seja, o fato de que estas se configuravam, desde os primórdios do século XX, enquanto áreas de pegação gay (cruising areas). A título de exemplo, Farmer relembra que, segundo as pesquisas de George Chauncey, só nos primeiros seis meses de 1921, “pelo menos sessenta e sete homens foram presos por solicitação homossexual em salas de cinema de Manhattan, incluindo um supreendente número de quarenta e cinco homens em um único cinema” (CHAUNCEY apud FARMER, 2000, p. 25). Um segundo aspecto seriam os filmes em si como forma de sair do isolamento, a despeito da ausência de representações de homossexuais nas narrativas, através do desenvolvimento de códigos aquém dos representativos. O cinema sempre proporcionou uma fonte rica de materiais para certo “capital subcultural gay”. Em espaços de sociabilidade gay antes de Stonewall, a simples menção de certos filmes e/ou de alguma estrela de cinema cultuada por homens gays era uma forma codificada de declaração da homossexualidade. Farmer denomina como "performatividade identificatória" esta dimensão interativa ou comunitária do uso dos códigos do cinema, onde a espectatorialidade assume uma função performativa dentro de contextos gays (FARMER, 2000, p. 29-30). Se Judy Garland aparece como a estrela de maior importância nos estudos de recepção por gays americanos, no contexto brasileiro talvez a figura que se destaque seja Carmen Miranda. Sobre a dimensão ambígua da interpretação da “baiana”, Shari Roberts afirma que “embora o texto paródico de Miranda funcione para reforçar estereótipos retrógrados de latino-americanos e de mulheres, dando suporte a concepções racistas e sexistas da ideologia dominante, seu texto ao mesmo tempo os revela como estereótipos, permitindo leituras negociadas ou subversivas dos fãs” (ROBERTS, 2002, p. 151). Por “leituras subversivas”, Roberts entende o uso que os fãs fizeram de sua imagem, principalmente mulheres e homens gays, lembrando que a “baiana” era a personagem mais imitada nos shows de drag do exército americano durante a II Guerra Mundial, tanto por soldados heterossexuais quanto gays (ROBERTS, 2002, p. 148). Em consonância com a a argumentação de Roberts, Fernando Balieiro se debruça não somente sobre casos americanos como o do soldado Sasha Brastoff, quanto sobre casos brasileiros, como o de Erick Barreto (conhecida como Diana Finsk), famosa por suas interpretações da Carmen, inclusive personificando-a em passagens ficcionais do filme de Helena Solberg, Bananas Is My Business (1995). Balieiro questiona as concepções em que Carmen é reduzida a uma simples “fabricação” ou “produto direto da visão nacionalista do governo Vargas ou da Política da Boa Vizinhança”, ressaltando que “a mesma personagem que servia para representar a união política pan-americana então, entre um grupo social específico”, se estudada pelo ponto de vista da recepção homossexual no Brasil ou nos EUA, “era representativa da transgressão sexual” (BALIEIRO, 2014, p. 109). |
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Bibliografia | BALIEIRO, Fernando. “Seria Carmen Miranda uma Drag Queen? Uma Análise Queer da Trajetória e Recepção da Cantora e Entertainer Brasileira”. Revista Florestan, ano 1, n. 2, 2014. |