ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | O milagre como fenômeno cinematográfico |
|
Autor | Pedro de Andrade Lima Faissol |
|
Resumo Expandido | Roberto Rossellini fez um filme sobre a vida de Jesus Cristo sem mostrar nenhum milagre. Antes disso já havia feito um filme sobre a vida de São Francisco de Assis – igualmente sem qualquer milagre. Qual teria sido o motivo dessa curiosa omissão? Se o cinema, desde muito cedo, já havia superado as dificuldades técnicas dessa operação, então por que não dar ao milagre uma forma sensível? Talvez porque a representação do milagre, explicitado pontualmente em um filme, seja uma ruptura indesejada em relação a um Todo contínuo. Nesse sentido, o problema colocado se apresentaria de duas maneiras: como uma fratura exposta no interior do filme (sob a forma de um corte, interrompendo a continuidade do tecido fílmico) ou como uma disjunção entre a imagem captada pela câmera filmadora e a realidade que se apresenta diante dela (cisão provocada, por exemplo, por uma manipulação na imagem). Em ambos os casos, segundo Alain Bergala (2010, p. 33), a representação do milagre no cinema fere o princípio da “epifania generalizada do real”. Em "Le miracle comme événement cinématographique", ao longo do qual propõe uma tipologia do milagre no cinema, Bergala enfatiza o seu aspecto descontínuo. Para ilustrar essa ideia, cita a metáfora de André Bazin da realidade como um “vestido sem costura”: o milagre, nesse sentido, seria um remendo no vestido. Trata-se de uma concepção realista segundo a qual o fenômeno sobrenatural é entendido como uma ruptura, uma mancha, um buraco. Acrescento ainda: uma armadilha! Representar o milagre no cinema, de fato, não é livre de problemas; implica dar à matéria filmada uma forma, exterior a ela mesma, deturpada em relação à original. O caráter descontínuo do milagre requer do(a) realizador(a) uma tomada de posição: esconder as marcas das operações fílmicas, camuflando-as em prol de uma transparência, ou explicitar sem disfarces os artifícios empregados. A nossa hipótese é uma aposta: o milagre no cinema será mais bem acolhido se assim se apresentar frontalmente, expondo as suas fraturas através da exacerbação dos meios fílmicos. Para verificarmos a hipótese levantada, investigaremos três “problemas de representação”, um para cada milagre dos Evangelhos: Anunciação, cura do cego e Ressurreição. No primeiro problema de representação, analisaremos os ecos da Anunciação no cinema à luz dos motivos plásticos herdados de sua vasta iconografia: como trabalhar a herança iconográfica através de meios estritamente fílmicos? No segundo problema, na parte dedicada ao milagre da cura do cego, seremos guiados pelas questões que se colocam pela representação da imagem de Cristo: se a relação que as religiões teístas estabeleceram com a imagem religiosa sempre foi muito delicada, provocando ondas iconoclastas em vários cantos do mundo, o que dizer dessa mesma relação no regime de imagens inaugurado pelo cinema? Na terceira parte da comunicação, por fim, estudaremos as estratégias de encenação adotadas em função da crença na representação: analisaremos as cenas de Ressurreição a partir do impacto provocado no jogo psicológico do espectador. A hipótese da explicitação dos meios não se reduz a uma ontologia da imagem, a uma fenomenologia do milagre (submetida aos princípios realistas do cinema), ela se verifica filme a filme, na análise comparativa das operações empregadas em cada episódio dos Evangelhos. O desnudamento da representação, ao contrário do que se diz acerca de um espetáculo de magia, por exemplo, não arruína o truque. Em alguns casos, conforme veremos ao longo das análises fílmicas, o artifício empregado pode até descaracterizar o sentido teológico originário, submetendo-se exclusivamente aos propósitos de cada filme, mas as soluções encontradas sempre servirão como um elogio aos meios expressivos do cinema. |
|
Bibliografia | ARASSE, Daniel. "L’annonciation Italienne : Une Histoire de Perspective". Paris: Hazan, 2010. |