ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Uma peregrinação crítica por O Lucky Man!, de Lindsay Anderson |
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Autor | Patrícia Kruger |
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Resumo Expandido | O Lucky Man! (Um homem de sorte, 1973), do cineasta britânico Lindsay Anderson, é o segundo filme de sua “Trilogia Mick Travis”, nome do protagonista da obra, interpretado por Malcolm McDowell. A trilogia também é composta por If... (Se..., 1968) e Britannia Hospital (Hospital dos malucos, 1982), e propõe-se a traçar um panorama crítico da Inglaterra, incluindo o legado de sua história imperialista e a crise de valores éticos e morais que assola o país a partir dos movimentos organizados em torno de maio de 68. O primeiro filme da trilogia, If..., explora o tema da repressão e do autoritarismo no ambiente estudantil, ecoando a matriz de muitos dos protestos que tomaram a Europa e os Estados Unidos no final dos anos 60. A crítica é aprofundada no filme pela associação construída entre lógicas disciplinares e treinamentos militares, desnudando a cultura reacionária que começava a se armar como resistência à onda progressista insurgente. Cumpre destacar como o ano de 1968 já se inicia na Inglaterra com protestos contra o corte na previsão orçamentário do governo de Harold Wilson, acrescido de manifestações de milhares de estudantes universitários contra o apoio do governo britânico às ações norte-americanas no Vietnã. Diversas outras manifestações progressistas, como greves, ocupações de universidades e marchas dão notícia da radicalização política que acontecia no país. No entanto, cumpre observar também como alguns objetos culturais da época foram capazes de localizar o potencial fascista que brotava das lacunas e fendas abertas no interior dos próprios movimentos de insubordinação, sobretudo envolvendo a juventude. O massacre de cunho fascista realizado pelos estudantes ao final de If... ressoa em A Clockwork Orange, também estrelado por Malcolm McDowell, e insere-se como tema importante de O Lucky man! Contando com uma estrutura episódica e um enredo inspirado satiricamente em The Pilgrim's Progress from This World, to That Which Is to Come (O Peregrino - A Viagem do Cristão à cidade Celestial, 1678), de John Bunyan, O Lucky Man! compartilha com essa obra também os aspectos onírico e alegórico, expondo os diversos nuances da lógica corporativa e totalitária que sucede as manifestações do final dos anos 60. A peregrinação de Mick Travis por uma “nação desmantelando-se no começo dos anos 70” (NEWLAND, 2013, p. 62) ganha relevância crítica sobretudo quando se observa não apenas os materiais abordados, mas também a maneira pela qual estão organizados. Assim, é de nosso interesse investigar as implicações de sua estruturação anti-ilusionista, seja pelo seu caráter onírico, muitas vezes próximo do surreal; alegórico, com personagens caricatas e sem uma psique bem delineada, incluindo o multifacetado protagonista; metalinguístico, incorporando a si mesmo na lógica midiática e política que pretende desvelar e problematizar; épico e historicizante, estimulando a reflexão sobre comportamentos sociais naturalizados e tratando as contradições do mundo representado como convites ao questionamento da realidade. O método dialético brechtiano, dessa forma, parece ser reapropriado pela obra, que não deixa de traçar paralelos até mais explícitos com a produção de Bertolt Brecht, como as referências à obra Kuhle Wamp (Slatan Dudow, 1932), cujo roteiro é do próprio dramaturgo. Além disso, as diversas interferências diegéticas e extradiegéticas de Alan Price com sua banda no filme não apenas acentuam o caráter de comentário e distanciamento que o recurso encerra, mas também trazem à tona o papel da contracultura e da mídia no bojo das derrotas de maio de 68. Intentamos, assim, por meio de uma análise aprofundada da obra, investigar os desdobramentos de suas escolhas temáticas e formais, atentando, em especial, à relevância do filme e de seus questionamentos para o nosso momento histórico. |
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Bibliografia | DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo: Comentários Sobre a Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. |