ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Deslocamentos, distensões e nostalgia: relações temporais em TwinPeaks |
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Autor | Letícia Xavier de Lemos Capanema |
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Resumo Expandido | Após 25 anos, David Lynch, em parceria com Mark Frost, retorna à televisão com a terceira temporada de Twin Peaks (2017), série originalmente exibida em 1990/91 pela ABC. O retorno da série continua a tratar de temas como o duplo, o insólito, os assassinatos misteriosos e a mescla entre o onírico, o real e o surreal. Contudo, a construção espaço/temporal é ampliada. Embora a história tenha ganhado novos contornos e personagens, outros aspectos permanecem. Trata-se de um uma série composta de personagens majoritariamente brancos, onde a participação de negros é quase nula. Há um certo sexismo obsoleto e, por vezes, anacrônico. As personagens e seus corpos são fetichizados, principalmente pela via da violência (a brutalidade do assassinato feminino é uma constante). Nesse sentido, a série funciona como uma espécie de retrato distorcido da América profunda, representada por um população branca, patriarcal, conservadora e violenta, que habita o pacato e, ao mesmo tempo, obscuro interior do país. O propósito desta apresentação é, portanto, analisar e discutir a terceira temporada de Twin Peaks (2017) como sintoma de questões culturais, sociais e como expressão artística que reflete uma visão de mundo sobre o seu tempo. Nossa proposta é refletir sobre o retorno da série, compreendendo-a como um gesto criativo que relaciona obra, criadores e contexto. Para realizar essa investigação, privilegiamos o estudo do tempo em Twin Peaks, pois acreditamos ser um recurso (narrativo, estético e contextual) que nos permite acessar, de modo mais preciso, a complexidade dessa obra. Assim, interessa-nos compreender a forma como a série esculpe o tempo nos campos narrativo, estético e de releitura de um passado nostálgico. Nesse sentido, os deslocamentos narrativos, as distensões e as relações com o passado são elementos que nos parecem mais pertinentes na construção temporal de Twin Peaks. Destacam-se engendramentos como aqueles relativos ao retorno tardio da série, a seus saltos temporais, ao envelhecimento (e falecimento de parte) de seu elenco, ao uso de “tempos mortos” e distendidos, e ao diálogo que a série estabelece com o passado supostamente áureo dos EUA (anos 1940/50) e com vanguardas do início do século XX (em especial, o surrealismo e o expressionismo). Para realizar as análises, recorre-se às categorias narrativas do tempo erigidas por Genette (1972) e adaptadas a narrativas audiovisuais por Gaudreault e Jost (2009). Também são fundamentais as reflexões de Tarkovski (1998) sobre a construção do tempo fílmico (2010) e de Kracaeur (1947) sobre o cinema como sintoma de conjunturas sociais, emocionais e psicológicas de uma nação. Observamos que a estética temporal da série investe nos tempos mortos, tão pouco convencionais na ficção televisiva. Há uma elegância sublime no uso do silêncio e do vazio. O retorno de Twin Peaks desdenha da coerência narrativa e investe no deleite estético. A construção visual e temporal dos episódios nos faz lembrar que Lynch começou sua carreira como pintor. A série retoma, de maneira mais profunda, o diálogo de seu criador com o surrealismo, com o expressionismo e com as pinturas de Edward Hopper, René Magritte e Francis Bacon. Os anos de 1940/50, frequentemente referenciados na obra de Lynch, surgem na terceira temporada como período de gestação do “ovo da serpente”. Em Twin Peaks, o mal nasce do cogumelo atômico e se metamorfoseia em seres que irão assombrar a América, alojando-se na seio familiar do american way of life das pacatas cidades do interior estadunidense. Como já detectado por Kracauer, a partir do estudo de filmes alemães do pós primeira guerra, a produção audiovisual de uma nação “reflete suas tendências psicológicas, os estratos profundos da mentalidade coletiva que – mais ou menos – correm por debaixo da dimensão consciente” (1985, p. 14) Nesse sentido, pode-se compreender Twin Peaks (2017) como sintoma e reflexo (ainda que distorcido e sombrio) de seu tempo. |
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Bibliografia | Cahiers du Cinema N. 737 setembro/outubro 2017. |