ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | Federico Fellini: anotações de um diretor. |
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Autor | Anna Paula Soares Lemos |
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Resumo Expandido | Na medida do espetáculo, em estrutura figurativa, expressiva, dilatada, o cineasta Federico Fellini lança um olhar crítico, autossuficiente, autoral e desafiador ao mundo da indústria cultural do qual faz parte. Faz do seu estúdio 5 do complexo de cinema Cinecittà, uma “policlínica” que reestrutura as imagens do seu pensamento, de sua memória, de sua recordação, do seu mundo. Um cuidado artesanal que inicia o processo de reconstrução, desconstruindo, no texto, estruturas pré-estabelecidas. Em detalhados traços e blocos de anotações que estimulam não imagens, mas evocações, e não evocações diretas, mas sentidos, spectrus – cheiros, cores, gostos, sons – Fellini dilata os fracassos do mundo contemporâneo. A partir de Blocknotes di un regista pela primeira vez ele entra propriamente em cena, se colocando como espelho e agente das suas próprias críticas com não-roteiros, não-atores, não sequências. Renzo Renzi, crítico cinematográfico, documentarista e escritor, afirma que Fellini é ele mesmo um espelho: "Fellini, então, é um grande, às vezes entusiasmante, espelho. Um espelho de condições de vida deterioradas que ele sabe reviver internamente porque ele mesmo se reconhece nela com seus instrumentos instintivos..." (RENZI, 1994: 9) Metodologicamente, faremos um close reading das anotações originalmente direcionadas ao projeto Blocknotes di un Regista (Anotações de um diretor), de parte dos roteiros originais dos filmes selecionados e dos textos avulsos e desenhos que estabelecem uma arquitetura muito reveladora a partir do não filmado. Há três argumentos, considerados não filmados, que estão em parte nos filmes Ginger e Fred (1985) e Entrevista (1987). São eles L'attore, L'inferno e Mandrake. L'attore, o último projeto em que Fellini efetivamente trabalhou, faz uma reflexão sobre o mistério e a especial psicologia de um ator. Idealizado ao tom coloquial de um bate-papo com as imagens, o filme traz, como é frequente em Fellini, elementos autobiográficos e a melancolia do envelhecimento. Seus fragmentos transparecem a ideia de uma opera para a construção de sua autoficção. Já L'Inferno de A Divina Comédia se transforma em um inferno visto por Fellini, assediado por produtores televisivos americanos e japoneses que querem uma versão para o cinema do livro de Dante. Finalmente em Mandrake, Fellini propõe o personagem em variadas óticas possíveis: pela ótica realista, em ópera, em forma de sonho infantil, em chave de conto fantástico. Em cada um deles, se nota a crítica que se dá também nos roteiros originais, em suas anotações. Fellini, o cartunista dos neorrealistas, faz o jogo de acusar o contexto do qual faz parte com a ponta do lápis. E assim, o seu cinema é um ator ao estilo clown que fazendo parte do espetáculo exacerba as incertezas deslocando fotogramas, apagando as luzes, criticando o próprio espetáculo ao dilatar suas maiores fragilidades e ao fazer contraste com as suas certezas. |
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Bibliografia | BOLOGNESI, Mário Fernando. Palhaços. São Paulo: Editora UNESP, 2003. |