ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | O cinema na escola como processo e possibilidade de criação coletiva |
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Autor | Douglas Resende |
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Resumo Expandido | Reunimos, para uma formação, um grupo de seis professores de duas escolas situadas dentro de unidades do Degase, órgão que faz a gestão das “medidas socioeducativas” no Estado do Rio de Janeiro. Duas professoras de arte, dois de educação física e dois de geografia que, numa das escolas, recebem meninas entre doze e dezoito anos “em conflito com a lei” e na outra, meninos na situação de “internos provisórios”, aguardando a audiência que arbitrará sobre seu futuro próximo. Escolas portanto com temporalidades muito singulares e com um intenso trânsito de vidas jovens. Um jovem pode ficar recluso num centro socioeducativo de três meses a três anos, e no caso da internação provisória de um a 45 dias, o que exige da escola uma outra economia do tempo. Lá dentro, o espaço se faz de encontros fugazes, de relações instáveis, donde a ideia de “conteúdo” perde em grande medida sua razão de ser. Em lugar de um movimento contínuo e progressivo, os educadores são levados a pensar atividades que se cumpram num mesmo dia, num mesmo turno, numa dinâmica mais do instante, voltada para o presente, que de uma continuidade na relação com os estudantes, considerando que no dia seguinte alguns deles já podem não estar ali. Estão aí pistas para o desafio metodológico de uma entrada do cinema nesses espaços. Propusemos ao grupo de professorxs experimentar, ao longo de uma sequência de oito encontros, uma série de dispositivos – mas poderíamos chamar também jogos, dinâmicas coletivas – com o objetivo de desencadear uma experiência cinematográfica compartilhada em três horas de encontro, um turno das escolas. Um pequeno conjunto de regras de modo a estabelecer os limites de um espaço de interação e de criação onde cada corpo presente terá um papel. O que buscamos com os dispositivos fílmicos. A maioria foi recriada pelos Cadernos do Inventar (MIGLIORIN, 2016) a partir de recursos expressivos encontrados na história moderna e contemporânea do cinema documentário, mas também em certas formas de cinema experimental. Em ambos os casos, tratam-se de momentos em que algo da dimensão pedagógica do cinema se manifesta. Quando o processo coloca em relação lugares múltiplos de modo não a representá-los ou a estabelecer uma relação rígida professor-aprendiz, mas fazendo com que ajam juntos com o cinema, produzindo experiências de grupo e deslocando essas relações dadas ali para um outro espaço, com regras próprias de duração, enquadramento, de disposição dos corpos. Temos experimentado o cinema como um meio, ou seja, processo, como uma ferramenta de mediação das relações nesses espaços, em especial das relações entre professores e estudantes, que criam juntos modos singulares de olhar para o território onde se encontram. Assim, antes de um fim, um filme, tomamos o cinema como possibilidade de criação coletiva. “O ato de criação não se refere essencialmente a uma obra, a um produto terminado, ele mediatiza uma operação coletiva, ele permite a um grupo, a uma singularidade existir”, escreveu Lazzarato (2006) em meio a suas leituras de Caosmose (2006) de Guattari e o seu “paradigma proto-estético” que significa que “‘não nos referimos à arte institucionalizada, a essas obras que se manifestam no campo social, mas a uma dimensão de criação em estado nascente, fluindo da própria fonte, potência da emergência’. [...] Em suma, a arte não deveria produzir obras ou objetos estéticos prontos, mas instrumentos conceituais, estéticos, sociais [...]. O paradigma estético, não tratando apenas da criação artística e da subjetividade artística, se limita a mostrar um caminho de criatividade possível. Esta última deve se concentrar sobre o ‘processo’ antes que sobre o objeto, sobre a criação emergente, antes que sobre a ‘obra’.” Do lugar da coletividade que se constitui no território de uma escola -- em especial na relação entre professorxs e estudantes --, nos parece haver na arte e no cinema um potencial de liberação do trabalho como possibilidade de criação coletiva. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. |