ISBN: 978-85-63552-26-6
Título | A dublagem AFETADA de Doce Amianto (2013) |
|
Autor | Joice Scavone Costa |
|
Resumo Expandido | O filme Doce Amianto (2013) conta dramas universais transvestidos em fantasia (conto de fadas) e em fantástico (sobrenatural), através de histórias que contém o deboche da condição humana (hipocrisia). A “doce” Amianto (uma fibra sedosa de alta resistência flexível e durável) sofre com as incompatibilidades, solidões, rejeições e com a “morte” da fantasia Barbie de ser. Ela não segue o modelo do individualismo clássico, seguramente inserido no contexto de redes sociais claramente delineadas, de onde sua identidade também claramente definida emergiria. A atenção dada aos sentidos para além dos olhos ao longo do filme é um prato cheio para o desenvolvimento das possibilidades na utilização estilística do som na obra audiovisual. Dentre outros elementos da trilha sonora, a voz pode libertar-se da boca e ocupar o ambiente do espaço que habita, sem ponto de escuta ou fonte sonora, o som finalmente preenche todo o território na sua máxima materialização do corpo. Doce Amianto atualiza os extremos estéticos das vozes dos castratti e das divas da ópera, cuja afetação potencializa a artificialidade das características de captação e reprodução do som no longa-metragem cearense. A narrativa enuncia o desafio para a constituição de novas afetividades, diante do declínio do amor romântico heterossexual, das mudanças de papéis decorrentes dos processos de mudanças sócio-econômica, irrompe e subverte outras sensibilidades, trabalhando via paródia, pastiche e exagero. É fácil associarmos o comportamento da personagem e da obra cinematográfica com o "camp", estilo de comportamento que pode ser comparado à atitude exagerada de certos homossexuais, ou simplesmente à "afetação". Na esfera estética, o camp seria o estilo "brega assumido, sem culpas", mas também a idéia de "reconciliar a essencial marginalidade desse comportamento com sua evidente ubiqüidade, mantendo sua diversidade” (BOOTH, M.: 1983, 11). O filme cearence traz nas entrelinhas de sua temática universal a condição de "oprimido" da personagem que descortina a natureza artificial de categorias sociais e a arbitrariedade dos padrões de comportamento. Parente e dos Reis utilizam a palavra escrita, a palavra a falada e a linguagem cinematográfica para trabalharem essa fantasia do cotidiano e da valorização da beleza no próprio estilo de "escrita"; uma linhagem de estetas da vida, delineada pelos poetas malditos românticos. Através de “brincadeiras” com o efeito de uma lente cinematográfica e demais elementos da fotografia, figurinos, direção de arte e edição do som, as construções cinematográficas são escancaradas tal qual a feminilidade fake das travestis. A travesti, cindida "entre o exagero da afetividade e a festa das aparências" é “uma pulsão de simulação” que constitui seu próprio fim (SARDUY, S.: 1981, 9). A voz da doce Amianto contém a intensidade de subversão de uma captação sem profundidade - microfone direcional no set - que captura apenas a superfície da voz masculina afetada - microfone omnidirecional. O recurso prejudica também a inteligibilidade do texto, relegando a Idéia/ o sentido a segundo plano. A dublagem "mal realizada" e fora de sincronia escancara, além da marginalidade do modo de produção do filme, o estilo que investe na expressividade do diálogo na contra-mão da norma determinada desde o surgimento dos "Talkies". O desvio da norma circunscreve o uso da voz pelos cineastas autorais cearences na relação direta entre o processo criativo e a ideologia camp. A tecnologia "mal utilizada" perceptível no momento de escuta corrobora ao artificiaismo proposto por toda a materialidade do filme no contexto cultural e histórico da obra, que aproxima o filme à "existência trágica" da travesti que em todo lugar é percebida como engraçada (LONG, S.: 1993, 78/9) e sem/ fora do lugar. |
|
Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. “O que é o contemporâneo” In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009, p. 55/76. |