ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A epifania dos arquivos abandonados e inacabados da Shoah |
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Autor | Marcia Antabi |
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Resumo Expandido | Em junho de 2011, Georges Didi-Huberman fez uma visita ao museu de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Trouxe consigo três cascas de bétulas, algumas fotografias e indagações sobre a potência das imagens e a memória da Shoah. As bétulas (Birken) são as árvores que deram o nome ao maior campo de extermínio em massa do Terceiro Reich. O crítico e historiador da arte, neto de judeus poloneses executados naquele Lager , coletou três pedaços de casca de bétula, “três lascas de tempo. Meu próprio tempo em lascas: um pedaço de memória, essa coisa não escrita que tento ler, um pedaço de presente, aqui, sob meu olhos […]” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 10). Diante dos restos, ele provoca uma questão primordial: “Eu morto, o que pensará meu filho quando topar com esses resíduos?” Os fragmentos de bétulas atravessaram o caminho do filósofo enquanto rastros de sinais aleatórios que o acaso deixou sem inscrição prévia; são vestígios sem intenção de transmissão ou de significação; não foram criados – como o são outros signos culturais – e sim, deixados ou esquecidos (GAGNEBIN, 2002). Nesse sentido, Didi-Huberman coleta para pensar o contexto histórico e político - a memória. O que restará das fotos que tiramos? O que resistirá de nosso arquivo? Serão imagens em risco de tornarem-se eternamente invisíveis? Em "Arquivologia: Walter Benjamin e as práticas do filme de arquivo", Catherine Russell (2018), argumenta que muitos filmes de arquivo permanecem sob risco de desaparecimento em decorrência da falta de recursos, negligência ou deterioração. Para a teórica do cinema, a arquivologia como prática criativa experimental utiliza sistematicamente o armazenamento e o acesso ao material como gesto de escavação. Através de restos de filmes encontrados, pedaços reassociados revisitam e reacessam, constroem uma nova memória cultural e deslocam a memória oficial. A arquivologia é, portanto, uma prática da retomada do passado. As imagens dos arquivos de filmes esquecidos filmados durante a Shoah (nos períodos de 1942 e 1945), como rastros do acaso, atravessam o eixo da pesquisa em andamento. De acordo com Didi-Huberman (2012) nunca a imagem - e o arquivo desde o momento em que se multiplica - se impôs com tanta força em nosso universo estético, técnico, cotidiano, político, histórico. Em "A arqueologia do saber", Foucault já fazia, em 1969, uma crítica do documento, indagando não apenas sobre o que eles queriam dizer, mas se eles diziam a verdade, se eram sinceros ou falsificados, autênticos ou alterados. O filósofo constatou que o que era tratado como linguagem de uma voz agora era reduzido ao silêncio e que o recurso para interpretar uma historicidade não-linear era perceber o arquivo como representação de uma "fronteira do tempo" (RUSSELL, 2018, p. 12, tradução nossa). Com isso, é possível pontuar algumas questões, tendo como base um dos documentos mais significativos do pensamento crítico de Walter Benjamin. A partir das teses do filósofo, "Sobre o conceito da História" (1940), atravessamos um momento em que as imagens do passado despertam centelhas de esperança em uma história descontínua e repleta de agoras. Tanto para Didi-Huberman como para Russell, Walter Benjamin é um fio condutor no sentido de nos debruçarmos: o que sobrevém quando o valor e a ética da realidade de imagens tão lancinantes passam a ser colocados em dúvida? Como olhar para essas imagens repletas de lacunas? As imagens dos arquivos de filmes considerados aqui impressionam. Didi-Huberman (2011) focaliza que, "nós queremos fechar nossos olhos, mas os mantemos arregalados" (p. 102, tradução nossa). |
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Bibliografia | BAZIN, André. Montagem proibida. In: O Cinema: ensaios. 1ª edição. Editora Brasiliense, 1991. |