ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Sensório motor como coextensão do corpo personagem-espectador. |
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Autor | Régis Orlando Rasia |
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Resumo Expandido | De que maneira a montagem, quando interligada a decupagem, se transforma em uma parte indissociável da construção da atmosfera e da ambiência da obra por suas rupturas? Partindo do extenso debate no cinema a respeito da “percepção da câmera” como um corpo-presença no filme (Pasolini, 1981), buscamos verificar o modo como a mesa de edição configura-se como uma presença notada a partir das rupturas das ligações sensórias motoras do espectador. Esta proposição, notavelmente, se difere do código do cinema clássico, constituído de forma mais orgânica e abalizado por uma rígida decupagem que opera através de cortes racionais e por encadeamentos lógicos na observância do espaço, do movimento ou do tempo da narrativa. Deleuze (2005, p.329) diz que o cinema moderno do pós-guerra se contrapõe às circunstâncias do cinema clássico ao absorver um novo regime das imagens, capaz de instaurar a incomensurabilidade dos cortes. A montagem como ligação já não parte de uma imagem a outra, tampouco as imagens se encadeiam por cortes racionais, mas se reencadeiam com base em cortes irracionais. Mas, como reagir quando nos falta reação? De que maneira mostrar a falta de ação, ou como “filmar” o que se passa internamente na cabeça de um personagem em intervalos de crise? Daí o recorte sobre o sensório motor afetado ou colapsado como àquele que dissolve as situações fortes do realismo tradicional: “personagens, envolvidas em situações óticas e sonoras puras” cuja o esquema sensório-motor já não se exerce de forma automatizada, mas também não é ultrapassado ou superado, pois “ele se quebra por dentro” (DELEUZE, p.55). Com o tempo fora do eixo e do transcorrer natural — distante de uma lógica de fluxo da narrativa com início, meio ou fim — a trama de determinados filmes refletem as perturbações das personagens, imprimindo na tela as rupturas das ligações entre os acontecimentos, internalizados, afetados ou muito mais soltos, que ora o desequilibram, ora distraem a percepção das personagens. O cinema moderno, por assim dizer, provém da fissura da causa e efeito, rompendo com a explicação das circunstâncias do ambiente que rodeiam os corpos e instalando-se nos afetos das personagens. Nas palavras de Ivana Bentes mencionadas por Augusto (2004, p.102), o cinema e o pensamento moderno surge “do que é terrível demais, belo demais, intolerável”, por certo, é como se “fossemos colocados diante de situações que não podem mais se prolongar em ações”. A afecção, constituída na relação entre espectador e personagem, é emoldurada em nosso corpo agindo ao perceber o indizível do movimento do mundo. Oliveira (2015) recorta com maior precisão a variável da percepção do sensório motor no cinema de Alfred Hitchcock, nos “lugares ocupados por espectador e personagem”, fala sobre a dimensão do personagem-espectador e o colapso do esquema sensório-motor nos filmes do diretor, a efeito de uma imagem mental que incide de maneira exterior a imagem, por conta da ausência da locomoção dos personagens, a ação dos corpos das personagens é afetada por algo que lhe é exterior ou interior (em potência e em vidência interior). Perceber, então, consiste em uma espécie de impressão dos sentidos durante a exibição de uma obra. Consiste na atribuição do aparato cinematográfico como a própria condição da mise-en-scène como uma presença de um corpo que é único, por assim dizer, coextensivo aos corpos dos atores, no corpo do diretor e de sua equipe (por vezes fora de quadro), e na própria existência da câmera (legível como parte de um corpo, por se movimentar na cena, ou como extensão dos corpos do diretor e dos personagens). Há um terceiro aspecto na mise-en-scène que deve ser considerado, o espaço da visualidade constituída para o filme ocupado pela montagem. Temos, então, quatro presenças corpóreas e incorpóreas: os atores, o diretor e sua equipe (que pode muito bem ser o corpo da própria câmera), e, por consequência, o espectador a ser lançado na tela com a valência da montagem. |
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Bibliografia | AUGUSTO, Maria de Fátima. A montagem cinematográfica e a lógica das imagens. São Paulo Ed: Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004. |