ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Místico-digital: o retorno contemporâneo da fotogenia |
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Autor | André Antônio Barbosa |
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Resumo Expandido | Bruxaria, reencarnação, morbidez, fetichismo. Este paper se debruça sobre quatro filmes contemporâneos que possuem muitas conexões reveladoras, a despeito de suas diferenças: "Mate-me Por Favor" (Anita Rocha da Silveira, Brasil, 2015), "The Neon Demon" (Nicolas Winding Refn, EUA, França, Dinamarca, 2016), "Buraco Negro" (Helena Lessa e Petrus de Bairros, Brasil, 2017) e "Suspiria" (Luca Guadagnino, Itália, EUA, 2018). Todos possuem personagens femininas enredadas por atmosferas sinistras, acontecimentos estranhos e fenômenos fantásticos. Elas caminham à beira de abismos tão perigosos quanto indulgentes, resgatando motivos dos contos de fada, dos sistemas simbólicos místicos e da tradição do horror. Ao mesmo tempo, os quatro são exemplos emblemáticos do que poderíamos chamar de um cinema digital híbrido (Machado, 1997): apesar de se configurarem como longas-metragens que bebem na tradição da história do cinema, há, em cada um, um peso tamanho nos artifícios de pós-produção (filtros, cores, luzes, efeitos) que parece exigir do espectador uma outra atitude perante eles que não a de acompanhar uma narrativa naturalista com começo, meio e fim. Essa inefabilidade da imagem numérica mostra que essas obras talvez se pretendam menos janelas para o mundo e mais espelhos mágicos capazes de ousadas conexões entre o real e o virtual – entre o presente o passado, o próximo e o distante, o profano e o sagrado, os vivos e os mortos. Tal curto-circuito estético-tecnológico parece demandar o resgate de um conceito que o peso do realismo nos estudos do cinema relegou às margens durante muito tempo: a fotogenia, ideia proposta por Jean Epstein na década de 1920. A fotogenia é a revelação de algo a que, naquilo que é filmado, o olho humano nu não teria acesso (Epstein, 2018; Keller, 2012). É o uso de cores que não conseguimos enxergar no mundo “natural”; são as velocidades estranhas – muito rápidas ou muito lentas – que nossos órgãos não comportam; são as visões –aproximações microscópicas ou distanciamentos imensos – que nossas pupilas jamais alcançariam. Em suma, é a mediação técnica para um além, para um campo de possíveis. Um “através maquínico” que esses filmes contemporâneos parecem usar de modo a destrancar o espelho virtual, sintético, da imagem digital. Imagens fotogênicas exigem um método que consiga dar conta delas. A abordagem figural do cinema, tal como proposta por Brenez (1998), privilegia não a representação mimética, mas considera os corpos na tela como figuras. Figuras que possuem relações com outras figuras, com o fundo e com o exterior do filme. Em "Mate-me por favor", figuras pós-humanas, nem vivas, nem mortas, estão perdidas numa Rio de Janeiro sintética, ascética, pintada de roxo. Em "The Neon Demon", a Los Angeles contemporânea é transfigurada num conto de fadas tão sombrio quanto reluzente. A racionalidade das figuras que aí habitam é apenas aparente, uma máscara para pulsões mais profundas e inconscientes. Em "Buraco Negro", como em outros filmes do coletivo Osso Osso, as figuras estão perdidas numa urbe clichê, sem peso, quase um desenho animado. Seus gestos são desafetados, suas falas declamadas, uma espécie de versão juvenil e digital dos “modelos” bressonianos. Em "Suspiria", as figuras mantêm relações telepáticas umas com as outras, conexões que são antes de tudo políticas, organizacionais e proféticas. O misticismo fotogênico dessas obras, que cria mundos heterotópicos onde é possível enxergar as correntes sombrias que pulsionam os atos mais banais e irrefletidos. Onde se pode passar de um corpo a outro e se comunicar à distância, parece falar sobre os percalços de uma época onde as construções artificiais e a interatividade radical – e global – do virtual-numérico informam e configuram nosso pensamento e nossas ações. Quer figurando o lado anódino (Mate-me, Neon Demon), quer um campo de possibilidades (Buraco Negro, Suspiria), esses filmes parecem ser um sintoma, eles parecem nos dizer algo sobre o presente. |
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Bibliografia | BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. |