ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Exílio e interrupção: a retomada dos arquivos em Guzmán e Coutinho |
|
Autor | Julia Gonçalves Declié Fagioli |
|
Resumo Expandido | O presente trabalho surge de um interesse pelas relações entre cinema e política, mais especificamente, o uso das imagens de arquivo pelo cinema militante, sobre como as imagens dos acontecimentos, retomadas na montagem, poderiam propiciar uma reelaboração da memória das lutas políticas, reescrevendo a história. Nos anos 1960 e 1970, vários países da América Latina se encontravam comandados por regimes militares e opressores. Havia uma necessidade de registro dos acontecimentos e, como resultado, uma produção militante. Ela se deu de maneiras diferentes em cada país, e foi profundamente afetada pela forma como cada um desses regimes ditatoriais operavam. Nos interessam, neste trabalho, os contextos brasileiro e chileno: no Brasil, a ditadura militar iniciou em 1964 e durou mais de 20 anos. As Ligas Camponesas surgiram dez anos antes, de maneira mais significativa, no Nordeste e, em Pernambuco, ocorreu a luta mais marcante do movimento, pela posse do Engenho da Galileia. Em 1963, enquanto o movimento se radicalizava, os proprietários rurais começaram também a se organizar, de modo a impedir a reforma agrária. (FAUSTO, 2012). Já no Chile, o golpe militar se deu apenas em 1973, com o apoio dos Estados Unidos, para impedir o avanço do socialismo do governo de Salvador Allende. Em 1970, com o apoio de toda a Unidade Popular, Allende foi eleito presidente, com propostas de aprofundamento da reforma agrária, soluções para os problemas da previdência social, habitação, alimentação e saúde pública. (ALEGRÍA, 1983). Em linhas gerais, este é o contexto no qual se inserem os filmes que propomos analisar. Ressaltamos, portanto, que há grandes diferenças entre eles, porém, um importante ponto em comum, que são os longos períodos de ditaduras militares que os contextualizam. Tomamos dois exemplos de filmes realizados com imagens de arquivo e motivados por forte militância de seus realizadores, para que, em uma comparação – que já reconhece, de início, a imensa diferença entre as obras – possamos perceber como as condições históricas e políticas atravessam o fazer cinematográfico e, como consequência, afetam a forma do filme. O primeiro trabalho é a trilogia A batalha do Chile, de Patrício Guzmán – compreendendo A insurreição da burguesia (1975), O golpe de estado (1976) e O poder popular (1979). A realização de tais filmes se iniciou no Chile, porém, precisou ser interrompida, pois, após o golpe militar de 1973, Patrício Guzmán foi exilado e a produção foi retomada e finalizada na França. (MOUESCA, 1988). O segundo trabalho é Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho, 1984). O filme já foi amplamente discutido, no entanto, o que propomos é um olhar à obra prima de Eduardo Coutinho em relação à Batalha do Chile de Guzmán e, de maneira mais geral, ao cinema militante no contexto das ditaduras na América Latina. Se nos filmes de Guzmán a distância entre a tomada e a retomada se dava pelo exílio, em uma distância geográfica, e não temporal, Cabra é atravessado pela interrupção de 20 anos entre o filme que se realizaria em 1964 e aquele que foi, de fato, realizado em 1984. O roteiro do filme de 64 se baseava na vida e morte de João Pedro Teixeira, importante líder da luta camponesa, assassinado em 1962. Com a interrupção das gravações, decorrente do golpe, o trabalho só é retomado vinte anos depois, com uma nova proposta, de tratar não só da história de João Pedro, mas também do filme que não se realizou, lançando uma “ponte entre agora e o antes” (BERNARDET, 2013). A partir de uma comparação entre os dois filmes, buscamos perceber o modo como se articulam a tomada e a retomada (LINDEPERG, 2010), a militância e a montagem. Buscaremos perceber quais operações fílmicas perpassam a produção militante e, ao mesmo tempo, como se dá a reelaboração dessa militância no momento posterior de retomada das imagens. |
|
Bibliografia | ALEGRÍA, Fernando. Salvador Allende. São Paulo: Brasiliense, 1983. |