ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O diretor-personagem em "Elegia de um Crime", de Cristiano Burlan |
|
Autor | Marcos Vinicius Yoshisaki |
|
Resumo Expandido | Se na época de seu advento e de sua consolidação, principalmente durante as décadas de 1980 e 1990, o documentário em primeira pessoa representou um avanço na linguagem documentária – ao desestabilizar a relação entre sujeito e objeto, ao esmiuçar traços da vida privada que lançam luzes sobre questões políticas, ao trazer para primeiro plano a subjetividade do cineasta –, estimulando teóricos como Bill Nichols a criar a categoria de "documentário performático" (NICHOLS, 2012) e tantos outros a desenvolverem noções em torno do cinema ensaístico (RASCAROLI, 2009); com o passar das décadas, observou-se relativa mas substancial sedimentação formal dos filmes. Se, em sua etapa inicial, as abordagens na primeira pessoa avançaram sobre as fronteiras e possibilidades até então inexploradas da prática documentária, progressivamente seus métodos e recursos estilísticos passaram a representar uma espécie de gênero de produção e recepção, composto por códigos reconhecíveis e até mesmo antecipáveis, como uso de narrações, materiais de arquivo e a presença em cena do cineasta. Diante da possível saturação da abordagem em primeira pessoa – em particular aquela de cunho autobiográfico – e atento às críticas à cultura narcísica da “espetacularização de si” (SIBILIA, 2008), o objetivo da apresentação é abordar o estatuto do diretor(a)-personagem, suas características, efeitos e contradições, por meio da análise de "Elegia de um Crime" (Cristiano Burlan, 2018). Por meio deste caso específico, busca-se tanto mapear as linhagens pelas quais a prática em primeira pessoa se desenvolveu, em particular o "cinéma-vérité" (RENOV, 2004), quanto caracterizar mais genericamente o diretor(a)-personagem enquanto instância mediadora entre filme e espectador. "Elegia de um Crime" aborda o assassinato da mãe do diretor, Isabel Burlan, cujo suspeito, identificado como Jurandir Muniz de Alcântara, ex-companheiro da vítima, permanece foragido da justiça. Partindo desta premissa, um duplo movimento se desdobra no filme. Busca-se compor um retrato biográfico de Isabel, que permite tanto a elaboração de uma memória pessoal e familiar, como também oferece subsídios para compreensão do crime, motivado pelo ciúme, na medida em que a beleza de Isabel é a característica recorrentemente evocada nos depoimentos e fotografias. O segundo movimento corresponde à investigação e caçada do foragido. Esta perseguição efetiva-se no e pelo filme, dando a este um aspecto de thriller policial, como aponta Eduardo Escorel (ESCOREL, 2019), mas também o vincula à noção de “documentário de busca”, segundo formulação de Jean-Claude Bernardet (BERNARDET, 2014). São nos desdobramentos desses dois eixos narrativo-discursivos que a figura do diretor-personagem de Burlan se estabelece. Uma figura multifacetada, já que além de diretor, o personagem é filho, irmão, sobrinho, justiceiro, cidadão, segundo a situação em que se encontra, incorporando, simultaneamente, variados papéis. A constituição do diretor-personagem inscreve-se justamente no cruzamento entre as decisões de direção, em termos de metodologia, de linguagem e dos procedimentos estilísticos empregados, com o desempenho performático nas diversas instâncias de inscrição de sua presença. Se há o esforço em realizar o filme, este mesmo esforço evidencia-se enquanto traço constitutivo do diretor-personagem, que se delineia no interior das circunstâncias por ele próprio engendradas. Há, portanto, duas trajetórias com as quais ele precisa lidar: uma que diz respeito à realização do filme, e outra que delineia a curva do personagem. A questão que o filme parece constantemente nos colocar (nós, espectadores), na medida em que aborda um evento traumático na vida do diretor é: como o filme lida – formalmente – com o “desejo de vingança” da personagem-filho; e, inversamente, como a personagem estabelece os termos para tornar o filme possível? |
|
Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Documentários de busca. In. Maria Dora Mourão e Amir Labaki (orgs.) O Cinema do Real. Cosac Naify, 2014, pp. 209 – 230. |