ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Presentificação da Ausência e Teoria da Emanação em Face aux Fantômes |
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Autor | RAFAEL TASSI TEIXEIRA |
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Resumo Expandido | “Face aux fantômes” (Sylvie Lindeperg e Jean-Louis Comolli; 2009) trabalha a questão da imagem no filme “Noite e Neblina” (Alain Resnais; 1955) e a produção da memória sobre a Shoah. Desenvolvido em uma mis-en-scène que aproxima a historiadora e o teórico de cinema, o documentário explora o método de Lindeperg articulado no livro “Nuit et Brouillard: Un film dans l´histoire” (LINDEPERG, 2007). A partir de uma série de conversas entre os dois intelectuais - enquanto, em uma sala de montagem, o filme de Resnais é projetado -, a maior parte da metragem detém-se sobre a fala de Lindeperg e as questões do teórico-cineasta sobre as escolhas fílmicas de Resnais no filme de 1955. Fotografias e imagens de “Noite e Neblina” são observadas em um gesto de desdobramento do pensamento fílmico-criativo de Resnais, sobretudo a partir da necessidade de situar o filme entre o documental e o artístico. No filme de Resnais, os elementos da linguagem cinematográfica dimensionam a questão da Shoah na sensibilidade poética da voz narrativa, no cuidado do texto enunciativo, nos longos travellings da esquerda para a direita sobre os lugares dos acontecimentos, no uso da cor, na presentificação da ausência, etc. No caso de Auschwitz, Resnais parece dizer que somente teremos os fantasmas diante. E, na impossibilidade de enterrá-los, as imagens enfrentam um movimento de constrangimento - não servem como prova, não foram mediadas pelos ausentes. Nesse sentido, os elementos cinematográficos do filme de 1955 são utilizados para se poder chegar a um componente maior: a sensação, “infranqueável” (LINDEPERG, 2007) do poder da ausência, das relações entre a ‘imagem que resta’ (DIDI-HUBERMAN, 2012) e o que resulta do encobrimento de toda imagem: a tensão irredutível entre o estatuto artístico e o documental, a incapacidade de ‘controlar’ as imagens e suas relações com os acontecimentos e o modo com que serão interpretados. A exegese fílmica é construída, nesse sentido, sobre a distância das imagens, a dificuldade em lidar com elas, o modo com que passa a ser preciso buscar uma história reflexiva da consciência a partir de um olhar que não pode ser gravado. Resnais é cuidadoso em não introduzir as imagens-provas naquilo que seria, facilmente, um cinema da idealização (do documento, da ação arquivística reparadora). Prefere, antes, o cinema da emanação, da exposição da consciência da dificuldade em lidar com os elementos visuais, com o grave problema da sua ausência, com o constrangimento de precisar enxergar. Texto e filme se entrecruzam no sentido de que é o cinema, de que é do filme a perspectiva da reiteração sobre o ato de comunicar, transmitir, ver. Ver, como a perspectiva de lutar contra uma forma específica de imaginar o olhar. “Noite e Neblina”, o “filme que grita”, segundo Lindeperg (2007), é, portanto, o filme que deixa de querer restituir a possibilidade de desmascarar as provas ocultas, os documentos sobreviventes, as histórias definitivas. Diante da imaginação das imagens, diante de algo que nasce da compreensão do tempo e da sua superfície profunda, o filme funciona como uma tentativa de aprender a história e o ‘descentramento’ do olhar na questão dos campos de morte. Nesse aspecto, a sensação de irrealidade entre os planos do filme de Resnais projeta uma ideia de sutura que nunca é inocente, que está imediatamente contra à exigência de realismo, à imortalização de um efeito de realidade, à estruturação de um real que seja a prova inconteste de objetividade ocular. A teoria cinematográfica de “Noite e Neblina”, dessa forma, tem menos que ver com o ‘inapreensível’ da temporalidade histórica, que com o ensaio sobre a expressão - biográfica, individual - do processo de permitir às imagens sua interioridade vivida. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que Resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo, 2008. |