ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A teatralização midiática da política no filme O processo (2018) |
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Autor | Márcio Zanetti Negrini |
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Coautor | Helena Stigger |
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Coautor | Cristiane Freitas Gutfreind |
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Resumo Expandido | Analisamos como o documentário O processo (2018) – de Maria Augusta Ramos – constrói um ponto de vista sobre o impeachment de Dilma Rousseff. A narrativa desenvolve-se a partir de imagens que documentaram mobilizações populares de apoio e contrárias à governante; arquivos da TV Câmara – que registraram os discursos dos deputados federais na votação para abertura do processo de impeachment; bastidores da elaboração da defesa de Dilma e do transcurso do julgamento em comissão do Senado Federal. Além disso, há registros do depoimento da presidenta à assembleia de senadores, o trabalhado de cobertura dos acontecimentos pela imprensa e imagens que flagraram as rotinas do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional naquele período. Dessa maneira, o próprio filme propõe-se a ser um arquivo de imagens sobre fatos que marcaram a deposição de Dilma Rousseff. A partir dessa diversidade de registros, pontuamos três aspectos: 1) a imagem do trabalho da defesa político-jurídica frente à denúncia do crime de responsabilidade fiscal; 2) a representação do escândalo de corrupção como parte do argumento da oposição à governante; 3) a elaboração do contraponto entre um grupo político que exigia o conservadorismo, o autoritarismo e o liberalismo econômico face a outro, que reivindicava a inclusão socioeconômica e o progressismo cultural. Com isso, analisamos fragmentos da montagem para compreender como essas categorias relacionam-se entre si. Notamos, assim, o ponto de vista da narrativa sobre o acontecimento político, através daquelas imagens elencadas para se tornarem memoráveis. Em O processo, a hipótese oposicionista sobre o crime de responsabilidade fiscal é articulada junto às acusações de corrupção aos governos do PT, no âmbito da Operação Lava Jato. O filme mostra que a comprovação do crime de corrupção é o escândalo político-midiático que se torna prova, produzindo um falseamento enquanto síntese totalizadora da realidade. Refletimos isso a partir de Alain Badiou (2017), para quem a corrupção, como intrínseca à forma de ser da economia no capitalismo atual, é um efeito de exceção na forma de escândalo. O documentário também nos revela que o patriarcalismo estabeleceu o papel social do homem e da mulher, institucionalizando o masculino como dominante (BUTLER, 2016). Em oposição a essa construção, o filme evidencia imagens da resistência política de Dilma Rousseff junto a parlamentares, sindicalistas, militâncias estudantis, feministas, de livre expressão da diversidade de gênero e da afirmatividade negra. A narrativa empenha-se em entrecruzar os diversos movimentos sociais à imagem da presidenta, questionando as alianças políticas petistas balizadas pelo conservadorismo cultural, em nome da ascensão socioeconômica dos mais pobres e da governabilidade. Através da desconstrução da montagem e da análise dos arquivos produzidos por Maria Augusta Ramos, compreendemos que O processo assinala como o PT aliou-se circunstancialmente aos grupos minoritários, criando uma narrativa sobre um golpe parlamentar misógino, homofóbico, racista e saudoso da ditadura militar. Por seu lado, os movimentos populares agregaram-se em torno da presidenta como forma de resistência a uma onda conversadora que intentava se estabelecer. Depreende-se isso no sentido dado por Ernesto Laclau (2013, p. 128) à criação de uma “cadeia de “equivalência”, isto é, um conjunto de pautas políticas, caracterizadas por diferenças identitárias, construindo uma identidade popular cujo laço momentâneo foi Dilma Rousseff. A montagem relaciona esses aspectos à imagem da defesa político-jurídica da presidenta, sobressaindo a fragilidade da acusação quanto aos crimes de responsabilidade fiscal imputados à governante e, também, a utilização pelos opositores das acusações de corrupção atribuídas ao PT na forma de escândalo. Em suma, o filme – como documento de uma época (KRACAUER, 2001) – revela o seu ponto de vista sobre um golpe parlamentar, enquanto teatralização político-midiática. |
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Bibliografia | BADIOU, A. Em busca do real perdido. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. |