ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Olhar fantasmagórico: a imagem do rosto como experiência de alteridade |
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Autor | Bruno Carboni Gödecke |
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Resumo Expandido | O presente trabalho toma como ponto de partida a busca por compreender a diferença entre a experiência da percepção diante do rosto humano presencial e do mesmo na imagem cinematográfica. Tal tarefa encontra suporte teórico nos escritos de Walter Benjamin sobre a questão: “Pela primeira vez – e isso é obra do cinema – o homem chegou na situação em que deve atuar com a totalidade da sua pessoa viva, mas sob a renúncia de sua aura” (2012, p. 69). A distinção destacada passa pelo seu conceito de aura, o qual Benjamin descreve como: “um tecido fino de espaço e tempo: aparição única de uma distância, por mais próxima que esteja” (2012, p. 77). O conceito aparece ao longo de diversos textos de Benjamin, mas é descrito sob outra ótica em Sobre alguns temas de Baudelaire: “Quem é visto, ou acredita estar sendo visto, revida o olhar. Perceber a aura de uma coisa significa investi-la do poder de revidar o olhar” (1991, p. 140). Portanto, pode-se dizer que, ao tratar da aura, tanto da obra de arte, quanto do ator ou da natureza, Benjamin refere-se a uma experiência de alteridade do observador com o objeto observado. Experiência que só é acessível ao observador através de sua percepção da espacialidade e da temporalidade do objeto observado, condições que, somadas aos dados da memória, podem fazer com que uma epifania brote. Apesar de enxergar qualidades singulares no cinema, Benjamin afirma que esta experiência aurática não é possível nele, pois sua característica fundadora, a da reprodução serial, confunde a percepção do espaço e tempo, não possibilitando que tal momento de alteridade aconteça. Se voltarmos no exemplo do rosto do ator na imagem cinematográfica, uma questão se coloca: é possível que este rosto nos retorne o olhar? No seu livro de aforismos Notas sobre o cinematógrafo, Robert Bresson escreve sobre seu método de direção e separa sua estilística própria do restante do cinema. Tal separação esta que se faz presente até na maneira na qual ele se refere aos atores, que ele denomina chamando-os de modelos. “Modelo. Enclausurado na sua misteriosa aparência. Ele recolheu nele mesmo tudo que, dele, estava fora. Ele está aqui, atrás dessa fronte, dessas faces.” (2005, p. 25). O aforismo demonstra a complexa relação que Bresson mantinha com seus “modelos”, na sua tentativa de encontrar algo que não contido somente na sua visualidade. Curioso notar que este pensamento encontra eco na fenomenologia do filósofo Emmanuel Levinas, que coloca o encontro com o outro, a relação de alteridade, como tema central de sua filosofia. Para Levinas, o outro é sempre carregado de mistério, ele é impossível de ser totalmente apreendido e é a partir desta incompreensão que nasce a relação ética (LEVINAS, 2008). Porém, ao tratar da alteridade, Levinas não tem o cinema como fonte de inspiração, mas sim as relações presenciais do homem no mundo. A aproximação entre as idéias deixa sugerir que Bresson procurou uma maneira de encontrar na imagem de seus modelos a mesma experiência de alteridade descrita pelo filósofo. Porém, para isso, o diretor empregou recursos radicais na maneira de filmá-los, criando uma dramaturgia de rostos neutros, que não demonstram nenhuma afetação, e que confere a estes “modelos” uma aparência fantasmagórica. Ao estabelecer tais procedimentos formais na direção, Robert Bresson acaba por criar uma imagem que ao mesmo tempo expõe e contradiz a questão levantada por Walter Benjamin: a imagem de um rosto neutro, que olha fixamente para algo além do enquadramento. Portanto, o trabalho pretende reunir um conjunto de imagens semelhantes, que aparecem ao longo da filmografia do diretor, para articular estas com a possibilidade, ou ausência, de alteridade no cinema a partir do próprio gesto do espectador, que também olha estes rostos. |
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Bibliografia | BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de janeiro: Nova fronteira, 2018. |