ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Imagem, percepção e sensação: o cinema experiencial de Peter Mettler |
|
Autor | Lyana Guimarães Martins |
|
Resumo Expandido | No documentário Picture of Light (1994), do cineasta e artista canadense-suíço Peter Mettler, fica evidente um rigor formal no seu trabalho. Sua fotografia é precisa, tanto em composição de quadro quanto fotometria, mesmo quando a câmera é na mão; sua montagem é complexa, com muitos cortes, sobreposições, fluxos, encadeamentos não convencionais; o som é rico em elementos, de ambientes e ruídos a efeitos. Nos seus filmes há o predomínio de entrevistas não formais, realizadas durante caminhadas, dentro de carros, isto é, em situações espontâneas, que são misturadas com momentos de "voiceover". Mas não se trata de uma narração, de uma descrição ou uma explicação do que vemos: a voz, que geralmente é do próprio Mettler, às vezes não diz nada muito concreto, pelo contrário, quase sempre não tem relação direta com a imagem que é vista simultaneamente. São pensamentos, devaneios, divagações, perguntas. Nesse sentido, se pensarmos a partir de uma lógica da eficiência narrativa, o conteúdo das palavras quase não importa, afinal não elucida nada, uma espécie de “palavra vazia”. Mas se pensarmos por uma lógica da sensação, a voz é fundamental: o que é dito e o ritmo do que é dito nos instiga a sentir, proporciona outras camadas para as imagens e sons. Mettler diz que se inspira na música para pensar o seu trabalho, pois para ele ela nos toca sem precisarmos intelectualizar nada, isto é, não é necessário entender um sentido para sermos afetados – o que não significa que não possamos imaginar e criar sentidos a partir de uma música, ou de um filme seu. Afinal, o sentido, a razão, não é um problema para ele, mas sim a imposição de algo prévio a partir de uma lógica de eficiência, como a necessidade de contar algo e ser entendido, tão comum no cinema tradicional. Em vez disso, ele busca as lacunas, os devaneios. Portanto, sua busca pela sensação não se dá por conta de uma recusa do sentido, mas por um desejo de problematizar a hegemonia da razão e a normatividade da percepção em prol de uma abertura a outras possibilidades de experiência com sua obra. É nesse sentido que o cineasta diz que prefere entender o seu trabalho não como um cinema experimental, apenas de quebra e subversão dos códigos e padrões do cinema convencional, mas sim um cinema “experiencial”. Mas como se poderia definir esse cinema “experiencial”? Ele dá algumas pistas: seria um cinema que busca sentimentos, em vez de conceitos e regras pré-determinados, de forma a instigar no público uma viagem pessoal, sem um sentido prévio a ser compreendido. Em vez de impor uma narrativa tradicional, com encadeamentos lógicos em prol de um final fechado, ele prefere deixar tudo em aberto. Talvez seja possível aproximar o seu cinema do conceito de imagem-tempo discutido por Deleuze, uma vez que podemos identificar nos seus filmes uma predileção por situações ótico-sonoras puras, nas quais vemos os personagens (às vezes, o próprio diretor) absortos em uma observação, em uma reflexão, em vez de comprometidos com uma ação. Mas se Deleuze diz que no cinema moderno o personagem vira uma espécie de espectador (DELEUZE, 2007, p. 11), no cinema de Mettler é o espectador que parece virar personagem, pois há sequências nas quais quem parece ficar imerso em uma deambulação não é o personagem, mas nós que estamos assistindo o filme. São momentos que parecem existir apenas para o espectador: uma situação ótica-sonora pura, não para quem está dentro da tela, mas para quem está fora dela. Mas não se trata de uma interatividade, de uma quebra da quarta parede, do espectador fazer parte da história: mergulhamos nessa imagem-tempo – será que ainda podemos chamá-la assim? –, participamos dela, coexistindo com o filme. Então, que imagem é essa que Mettler nos apresenta? Talvez as discussões em torno de instalações imersivas possam contribuir nesta reflexão. Afinal, é possível perceber em Mettler muitos cruzamentos, principalmente quanto à experiência do espectador com a obra. |
|
Bibliografia | BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999. |