ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | La Pointe Courte: afetações foto-dramatúrgicas no filme de Agnès Varda |
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Autor | Isabella Chianca Bessa Ribeiro do Valle |
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Resumo Expandido | A ficção La Pointe-Courte (1955), de Agnès Varda, possui desdobramento dramático em duas narrativas paralelas, sediadas no vilarejo que dá nome à obra. O primeiro eixo aponta questões da rotina da vila de pescadores (em co-realização com a população local) enquanto o segundo trata de contar a tentativa de reconciliação de um casal. É no desenvolvimento da fotografia deste último viés que nos detemos aqui. Nele, Lui e Elle, interpretados por Philippe Noiret e Silvia Monfort, é um casal em crise que tem uma longa conversa sobre o relacionamento enquanto circula pela vila. Plano a plano, a relação vai sendo posta nos atravessamentos entre os corpos, os diálogos e a câmera, em uma dramaturgia visual coreográfica, posta em cena para ser fotografada e semioticamente processada pelo espectador. Varda começou a carreira como fotógrafa de teatro. A intimidade com as artes da cena mediada pela câmera provocou em seus filmes uma preocupação formal com o discurso visual e o ponto de vista. Formada em Belas Artes, a fotógrafa e diretora trouxe tal conhecimento estético ao cinema, em que prioriza enquadramentos plasticamente elaborados, somando a eles movimentos fluidos e precisos, que mantêm a firmeza narrativa, muitas vezes para além do realismo, mas sem pirotecnias. Em La Pointe-Courte, Varda instruiu os atores a não expressarem os sentimentos dos personagens ao dizerem suas falas. Logo, não é na intensidade desta interpretação que a narrativa ganha força, mas na ausência dela aliada à construção meticulosa do espaço da imagem junto ao texto. Estranhamente, para falar de amor, as emoções não chegam através da empatia pelos personagens (sem expressões nos rostos, nem profundidade psicológica), elas se formam no espectador pelas imagens. Vilém Flusser (2008) fala que o fotógrafo publica o privado e o receptor privatiza o público. Assim, para quem vê o filme, os quadros de Varda se abrem para outros jogos: outros personagens, desejos e afetos, atravessados por suas próprias experiências, sugerindo, invocando e preenchendo a narrativa de sentidos (MERLEAU-PONTY, 1989). A câmera não resolve a relação, ela cria uma atmosfera de mistério que as camadas de afetação quadro-texto-movimento provocam nos diálogos sobre intimidade, felicidade e o tempo. No movimento dos corpos e no próprio movimento da câmera, há uma concretude quase abstrata que a plasticidade traz à narrativa da crise. Se trata de um filme pictorialista. A película tem um formato quase quadrado (1,37:1), o que favorece uma foto-dramaturgia ainda mais densa. O filme é em preto e branco, mas possui um minucioso trabalho de cor na construção dos contrastes e tons de cinza. O branco é uma cor muito presente. Para Varda (Cahiers du Cinéma, 1965), o amor se concretiza na cor branca. Fotografia é produção de sentido. É estímulo sensível. São memórias e imaginários que se partilham ou se deixam de partilhar, que são afetadas e afetam. Esse é o jogo visual da construção da crise de Elle e Lui. “A fotografia é um conjunto de relações que leva no seu seio o rastro de uma alteridade perene” (BATCHEN, 2004, p. 179). Afeto é um sentimento que liga, que une, e afetar é uma ação que atinge, que marca. O afeto é desejante, incisivo, pungente, como a fotografia de La Pointe-Courte. Em geometrias meticulosas, coisas e corpos dialogam através de grandes profundidades de campo, duplas perspectivas, desenhos que visualizamos serem traçados enquanto se proferem palavras. Uma artificialidade construída para questionar o pseudo-conforto do que é normalmente vivido, mas que é sempre infotografável em sua espontaneidade (SOULAGES, 2010). Aqui, pretendemos refazer esses desenhos decupando plano a plano as cenas do casal, atentando para as articulações verbo-visuais do story board, em uma análise fílmico-semiótica das afetações foto-dramatúrgicas. |
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Bibliografia | ADAMS, Ansel. A câmera. São Pauo: Senac, 2000 |