ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Créditos falados: dos talkies ao cinema moderno |
|
Autor | Matheus Strelow Saraiva |
|
Resumo Expandido | Os créditos de autoria são parte imprescindível do que se entende como obra fílmica, formando basicamente um invólucro gráfico onde se atribuem às funções exercidas os nomes dos profissionais envolvidos. O artista Saul Bass, ao desenvolver uma sequência de animação para os créditos de Carmen Jones (Otto Preminger, 1954), trouxe à tona a possibilidade de apropriação deste espaço, antes mais comumente um “mal necessário” mercadológico, como propulsor gráfico da obra, traduzindo-a “através de metáforas visuais em uma metonímia que buscaria a curiosidade do espectador, trazendo-o para o jogo interpretativo do filme de uma maneira diferenciada de apresentar elementos da história” (TIETZMANN, 2006, p.2). Para além da interseção discursiva entre o cinema e a expressão gráfica, há uma modalidade de creditação praticada por alguns cineastas que se diferencia justamente por sua recusa ao grafismo: os créditos falados. Ao tratar do tema, comumente se remete às obras mais emblemáticas que usam do recurso: Soberba (The magnificent Ambersons, Orson Welles, 1942), O desprezo (Le mépris, Jean-Luc Godard, 1963) e Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966). Em Soberba, o próprio diretor narra os créditos finais, encerrando a fala com “meu nome é Orson Welles”. Em O desprezo, uma voz narra uma frase erroneamente atribuída a André Bazin para então, como se lendo as próprias cartelas de créditos que estariam neste lugar, atribuir cada função a seu respectivo profissional. Em Fahrenheit 451, o uso de créditos falados (narrados em tom sóbrio similar a O desprezo) dialoga diretamente com a temática do filme: é negada ao espectador a leitura dos créditos, assim como é negada a leitura aos cidadãos na sociedade distópica retratada no filme. Assim, apesar da eliminação da dimensão gráfica, estas sequências podem ainda funcionar como potencializadoras do discurso do filme, ou mesmo expôr mais diretamente o processo de realização. Mary Ann Doane aponta que "o uso tradicional da voz-off constitui uma negação do enquadramento como limite e uma afirmação da unidade e homogeneidade do espaço representado” (1983, p.462), aprofundando a diegese e dando-lhe uma dimensão que excede à da imagem. “À sua própria maneira, credita o espaço perdido.” (p.466) Ela ressalta, porém, que a voz-off implica no risco de expor a heterogeneidade material do cinema, ou seja, de denunciar o aparato de produção ou o dispositivo do filme de ficção, constituindo o que Robert Stam define como auto-reflexividade ou antiilusionismo (1981, p.21-22). No documentário, a voz parte de uma "diversidade radical em relação à diegese que dota esta voz de uma certa autoridade. Como uma forma de discurso direto, ela fala sem mediação com a plateia, passando por cima dos ‘personagens’ e estabelecendo uma cumplicidade entre ela mesma e os espectadores" (DOANE, 1983, p.467) ー, podemos refletir sobre como o discurso direto endereçado ao espectador pode funcionar na forma do cinema de ficção. Nesta apresentação pretendemos contextualizar a forma dos créditos falados e defendê-la em sua potência estilística, a partir de uma série de filmes de ficção que constatamos se apropriar do recurso, catalogados pelas três das formas de apresentação mais comumente observadas: créditos narrados pelos realizadores — ex. O romance de um trapaceiro (Le roman d’un tricheur, Sacha Guitry, 1936), Câncer (Glauber Rocha, 1968-1972); créditos narrados por vozes anônimas — ex. Ivan, o terrível - Parte II (Ivan Groznyy. Skaz vtoroy: Boyarskiy zagovor, 1958), Memória de Helena (David Neves, 1969); e créditos cantados — ex. Gaviões e passarinhos (Uccellacci e uccellini, Pier Paolo Pasolini, 1966), Skidoo se faz a dois (Skidoo, 1968, Otto Preminger). Este trabalho é resultado parcial da pesquisa intitulada Créditos falados e locuções metalinguísticas: práticas e ressonâncias no cinema brasileiro moderno, desenvolvida no PPGCine, da Universidade Federal Fluminense, sob orientação de Fernando Morais da Costa. |
|
Bibliografia | DOANE, Mary Ann. A voz no cinema: a articulação de corpo e espaço. In: A experiência do cinema: antologia (Org. Ismail Xavier). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983, p.457-475. |