ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Alinhar a Memória - A Escrita do Tempo em Elegia de uma Viagem |
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Autor | Ana Costa Ribeiro |
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Resumo Expandido | A função do ato de lembrar não é apenas o oposto de esquecer. Lembrar implica em alinhar. Alinhar a memória é alinhavar fragmentos daquilo que se lembra em função de uma escrita do tempo. Quando enunciamos uma lembrança estamos fazendo nada mais do que alinhar, alinhavar, colocar em linha uma série de fragmentos organizados no tempo e, portanto, numa narrativa. Não existe memória que não seja costurada, alinhavada, alinhada. A memória, portanto, depende de um narrador, de alguém disposto a fazer a costura, a alinhavar o tempo. Quando acordamos de um sonho, por exemplo, nos esforçamos para lembrar de alguns fragmentos – imagens, sons, pessoas, situações em que nos encontrávamos enquanto estávamos dormindo. Fazemos um esforço então para recompor a narrativa e, assim, ao enunciar os acontecimentos do sonho, vamos construindo nossa memória. A memória coloca lado a lado os fragmentos do que se lembra, como contas num colar. E por mais caleidoscópica que seja a narrativa que se constrói, importa a ordem em que os fragmentos são posicionados. Nesse contexto, poderíamos pensar então numa ideia de memória atual, isto é, numa memória que se atualiza no tempo presente. Trazer a memória para si, apropriar-se dela, escrevê-la e reescrevê-la incessantemente. A escrita – seja de um texto ou de um filme – possibilita que se inscreva a memória na atualidade. A memória não está dada, ela se recria continuamente, através da narrativa de quem a conta e de quem a escuta. Alinhar a memória se configura então como uma forma de trabalhar com sua materialidade – o tempo. A montagem cinematográfica é um recurso privilegiado para se trabalhar com a memória. Não à toa, a dinâmica da montagem tem sido comparada às dinâmicas do sonho. Perceber o quanto a paisagem em que se vive interfere nos sonhos, lembranças, memórias, é algo que abre caminho para a construção de novas paisagens. Interessa perceber de que forma os sonhos fazem deslocamentos criando novas paisagens a partir das paisagens comuns. Se a materialidade da memória é o tempo, sua escrita se dá sempre no espaço. É através do posicionamento das lembranças que construímos a memória. Essa relação pode ser verificada na anedota grega do poeta Simônides de Ceos. Segundo essa narrativa, em um banquete oferecido por um nobre, Scopas, Simônides teria entoado um poema em homenagem ao anfitrião, mas metade de seu texto teria homenageado os deuses gêmeos Castor e Pólux. Scopas disse então que pagaria somente a metade da soma combinada. Durante o banquete, entretanto, Simônides fora comunicado de que havia dois jovens querendo falar com ele do lado de fora. Simônides então se retirou do recinto e quando voltou ao salão, o teto havia desabado, matando todos os convidados presentes, que ficaram desfigurados tamanho o impacto da tragédia. Para ajudar os parentes a reconhecer os corpos, Simônides recorrera à arte da memória, identificando cada um deles pela posição em que se encontravam à mesa. Ao alinhar a memória estamos posicionando nossas lembranças conforme nosso desejo de narrativa. A forma como cada um constrói suas memórias do passado implica na forma como irá conduzir suas memórias no futuro. Por isso, é importante estar sempre atento aos possíveis deslocamentos que se pode fazer entre passado, presente e futuro. Fazer deslizamentos entre essas camadas de tempo é algo que nos permite reinventar as memórias em suas múltiplas direções: a memória da memória, a memória do futuro, a memória do tempo presente. Esses deslocamentos, entretanto, terão sempre que enfrentar dificuldades - resistências e esquecimentos -, deslizando com atrito – barreiras, falhas e, sobretudo, repetições. No filme Elegia de uma Viagem, de Alexander Sokurov, um homem narra uma viagem em forma de sonho. Ao atravessar a paisagem, vai alinhando suas lembranças. O trabalho pretende analisar o filme estabelecendo relações entre memória, sonho e montagem. |
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Bibliografia | ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1987. |