ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A encarnação monstruosa: entre ator, personagem e figura |
|
Autor | João Vitor Resende Leal |
|
Resumo Expandido | Quando o linguista Roman Jakobson afirma que Santo Agostinho seria, retroativamente, o primeiro teórico do cinema (BETTETINI, 1973, p. 182; MICHAUD, 1989, p. 17), sua declaração parece abrir novas perspectivas para a análise do personagem cinematográfico, permitindo aproximar a relação entre ator e personagem do fenômeno da encarnação que, na teologia cristã, permite figurar (em Jesus Cristo) o incorpóreo e invisível (deus). A partir dessa aproximação, que toma o ator de cinema como um receptáculo provisório de entidades autônomas e externas a ele, pretendemos avançar nossa investigação acerca da noção de personagem em cinema. Se, por um lado, a fisicalidade e a performatividade do ator podem estar além (ou aquém) daquilo que é programado por seu personagem, por outro lado o personagem também pode extrapolar as manifestações do ator que o encarna, abrindo brechas que, a nosso ver, explicitam o funcionamento mesmo do processo de encarnação que nos interessa analisar. Ao longo da exposição, recorreremos sobretudo à figura do monstro, cuja nomenclatura já nos antecipa uma cisão entre o ator e o personagem, o ser e o parecer, a essência e a aparência: na origem da palavra monstro, o termo latim monstrare se afasta da concepção habitual de personagem como uma identidade individual, um “ser ficcional” (CANDIDO, 2011, p. 55) constituído aos moldes da pessoa humana, para enfatizar justamente o próprio ato de mostrar, revelar, exibir, expor. Nesse sentido, argumentaremos que, como uma “forma extrema de alteridade” (NAZÁRIO, 1998, p. 29) que “nos lembra, na incerteza de suas semelhanças, as primeiras obstinações da identidade” (FOUCAULT, 1999, p. 218), o monstro não está muito distante da concepção cristã de deus, promovendo estratégias distintas de figuração. Dentre essas estratégias, destacaremos, no universo dos filmes de horror, precisamente aquelas que operam uma inequívoca disjunção entre ator e personagem, como ocorre em Vampiros de almas (Don Siegel, 1956), O enigma de outro mundo (John Carpenter, 1982) e Corrente do mal (David Robert Mitchell, 2014). Nesses filmes, a criatura monstruosa, sob pretextos diegéticos diversos, é por si mesma incorpórea e invisível, mas capaz de saltar de um corpo a outro parasitando e se multiplicando através de inúmeros personagens humanos. Veremos que, nesses filmes, ensaia-se então uma espécie de meta-encarnação, um meta-discurso que nos permite compreender melhor a dimensão ontológica do personagem cinematográfico: assim como o personagem humano se encarna no ator, a criatura monstruosa se encarna no personagem humano, numa dinâmica que, além de servir aos desdobramentos de uma trama narrativa, explicita a energia figural que vem animar o personagem para além de seus habituais revestimentos antropomórficos. |
|
Bibliografia | BETTETINI, G. The language and technique of the film. The Hague, Paris: Mouton, 1973. |