ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Apontamentos sobre a ditadura civil-militar no cinema brasileiro atual |
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Autor | Elisa Fonseca |
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Resumo Expandido | A questão maior que perpassa a reflexão aqui proposta é: como a memória de um período histórico é configurada pela ficção brasileira? Como distintas narrativas apresentam o período da ditadura militar brasileira em suas tramas? Quais tensionamentos ganham destaque em detrimento de outros? Nesta proposição, dialoga-se com os autores Jacques Aumont, Joel Candau, Maurice Halbwachs, Jacques Le Goff, Jacques Ranciére, entre outros. O artigo será estruturado nas seguintes seções: Sobre representação, história e memória; Sobre narrativas históricas; Dos instrumentos de análise; e Sobre as representações nos filmes. Na esteira do que afirma Rancière, que “o real precisa ser ficcionado para ser pensado” (2009, p. 58), é a partir dessa premissa que se acredita ser possível pensar os filmes que retomam períodos históricos e suas memórias. No diálogo/articulação entre história, memória e representações, o passado pode se transformar em memória coletiva, constituída por referentes sociais, abrangentes e inerentes à sociedade (Halbwachs, 2006). Para evocar o seu passado, muitas vezes são acionados referentes externos. Atenta-se para o fato de, muitas vezes, tais ferramentas de rememoração são midiáticas e esse passado pode ser selecionado e ressignificado por suas narrativas. Os estudos sobre memória são plurais e para que se diferencie os conceitos caros à discussão, cita-se Le Goff, que a define como “ciência da mutação e da explicação dessa mudança” (1990, p. 15), e acredita que ela de há muito ultrapassou as limitações da transmissão oral do passado, pois, com a constituição de bibliotecas e arquivos, passou a se constituir como uma macronarrativa. Já a memória é de caráter subjetivo, seletivo e particular, visto que está em contínua reconstrução (Candau, 2011). Uma narrativa audiovisual, muitas vezes, instiga no espectador a ideia de que o que é mostrado é real. Quando a narrativa representada é baseada em fatos históricos e verídicos, essa compreensão se torna ainda mais latente. Rossini (2006, p.117) atenta que o cinema pode ser “uma escrita que trabalha com a internalização do verossímil, e atualmente são as verdades construídas a partir desse universo verossímil que, em última análise, dão sentido ao mundo”. Ao que concerne o cinema brasileiro contemporâneo, na segunda década dos anos 2000, é possível encontrar um número representativo de produções que abordam o período histórico da ditadura civil-militar em suas narrativas. Com vistas a elucidar como o cinema atual pode representar este macro período, optou-se examinar dois filmes: O Ano em que meus pais saíram de férias, que mobiliza a temática da ditadura sob uma abordagem mais intimista e lúdica, ressignificando o cenário repressor através de um olhar infantil; e Tatuagem, que mobiliza questões de resistência de um grupo de teatro, assim como afetivas e proibitivas à época. Toma-se como baliza a análise de imagem proposta por Aumont e Marie (2010) e considera-se que os filmes examinados, centralizados em seus peculiares personagens, impregnam a memória do período em suas narrativas – através das espacialidades apresentadas, cenografia, vestuário, trilha sonora, e mais. Dentro de seus conflitos particulares, ambas as tramas parecem exaltar possíveis pontos de fuga para um contexto histórico hostil. Há pretensos microcosmos, zonas de escape, que dizem respeito às atividades culturais, relações afetivas e desfechos dos protagonistas. São configurados pelo menos dois modos de status quo, dois direcionamentos, o que, conjectura-se, possibilita a construção ficcional de distintas ditaduras. Tal interpretação, preliminar, instiga a pensar, se tais representações podem deflagrar um esvaziamento da carga histórica necessária sobre o período, visto que se direciona a parcialidades da sociedade; ou se tal pluralidade de representações pode ampliar a compreensão sobre as decorrências do regime ao país. Muito ainda há para refletir e questionar este passado que subjaz o presente do Brasil. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques; A Imagem. São Paulo: Papirus, 2002. |