ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Os silêncios em Ossos (1997) |
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Autor | Luiz Fernando Coutinho de Oliveira |
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Resumo Expandido | Após realizar Casa de Lava (1994), filmado no arquipélago de Cabo Verde, Pedro Costa retorna a Lisboa trazendo consigo lembranças enviadas pelos familiares cabo-verdianos aos parentes e amigos migrantes que habitavam a região metropolitana de Lisboa. É neste contexto que o cineasta tem seu primeiro contato com o bairro das Fontainhas, no distrito da Amadora, um bairro de origem espontânea, construído por imigrantes vindos de ex-colônias portuguesas na África e por pobres oriundos do norte de Portugal. Deste encontro entre o cineasta e o bairro nasce Ossos (1997), o terceiro longa-metragem de Costa. Ossos é o filme que precede a mudança de método inaugurada por No Quarto da Vanda (2000), em que a câmera Arriflex 35 mm é substituída por uma Panasonic DVX100 e a equipe de filmagem passa a ser restringida apenas ao cineasta e ao captador de som direto. Conservando ainda uma estrutura mais abertamente ficcional, a narrativa de Ossos é centrada na trajetória de alguns personagens do bairro, entre os quais se sobressaem um jovem pai tentando sobreviver junto ao seu bebê e uma mãe com tendências autodestrutivas. Também a irmã da mãe, interpretada por Vanda Duarte – que seria a protagonista do filme seguinte –, adquire papel importante. Sendo um filme que procura transmitir determinada “experiência” das Fontainhas, retratando a arquitetura labiríntica, as texturas das paredes, a exiguidade das casas, os momentos de convívio, entre outros, Ossos encontra nos artifícios do som uma forma expressiva de caracterização do bairro. Vozes, ruídos e músicas mesclam-se na banda sonora e habitam predominantemente o fora de campo, traduzindo de maneira sensível o universo sonoro que circunda as personagens. Entre os filmes do cineasta, no entanto, Ossos é aquele em que se verifica de forma mais marcante certa recusa pela voz. Os personagens demasiado fracos ou doentes não só falam pouco como também, quando o fazem (principalmente por sussurros), mal se comunicam. Esta renúncia é perceptível, por exemplo, na sequência em que uma música diegética da banda punk Wire impede que o espectador ouça aquilo que as personagens dizem em cena. O presente trabalho propõe, neste sentido, investigar de que modo esses silêncios são constituídos ao longo da narrativa de Ossos. Das estratégias discursivas adotadas pelo cineasta para a produção de sensações de silêncio, destacam-se não apenas a recusa pela voz – os “silêncios de diálogo” conceituados por Paul Théberge (2008, p. 59), que por si só se manifestam de formas diversas –, mas também a imobilidade das personagens e o recurso do quadro dentro do quadro – que isola ainda mais essas personagens e as petrifica como se pertencessem a uma pintura. Ainda que fascinante, o bairro é também um espaço de doença e morte, cujo silêncio parece ser uma consequência inelutável: ao plano final do filme, em que a jovem mãe fecha uma porta sobre a câmera, é possível lembrar-se de Wittgenstein (2017, p. 261): “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. |
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Bibliografia | CHION, Michel. The voice in cinema. New York: Columbia University Press, 1999. |