ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Cineastas e imagens dos povos – de Cabra Marcado a Martírio |
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Autor | Leandro Rocha Saraiva |
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Resumo Expandido | A proposta é analisar Martírio à luz de questões suscitadas por Cabra Marcado para morrer. Sigo a pista de Xavier, que vê na obra-prima de Coutinho um marco de encerramento do ciclo do cinema moderno brasileiro, por seu alta capacidade de balanço histórico e artístico, através da internlização formal das complexidades do reencontro com o passado, marcado pela nova posição do cineasta, já sem o “mandato” dos tempos do cinema moderno e diretamente engajado. Schwarz especifica os termos desta mudança, entre o projeto coletivo doCabra original, para a individualização e profissionalização mercantil do poder de filmar, documentando as reações dos entrevistados. Bernardet descreve como a montagem deste, agora, “espetáculo”, é construída por fragmentos, produzidos pela violência histórica. Estudos mais recentes exploram as relação entre filme e história. Gervaiseau aponta como as vidas estilhaçadas são entrelaçadas por um trabalho da memória, entre a dimensão individual e a coletiva. Silva, cotejando Coutinho e Perrault, analisa as variações da “conexão entre passado e presente e a escuta da palavra alheia”, e situa Cabra num ponto de transição da obra do autor. Lins destaca o caráter ambíguo dos documentação de pessoas postas em cena, compondo seus personagens, base para o cinema posterior do autor. Mesquita, compara Cabra e Peões, identificando diferentes formas de inscrição da história nas obras, entre a contra-história, de resgate ,em Cabra, e a definitiva atomização da vida, em Peões. Martírio se faz também a partir de uma filmagem retomada, provocando uma busca por antigos parceiros, e suas situações atuais. Tem a presença do realizador, em tela e na voz over, como personagem desta história. Sua montagem que relaciona fragmentos de passado, inseridos num processo histórico amplo, expondo o presente em sua abertura e tensão, com a continuidade da luta pela terra. O fio narrativo de Martírio segue sendo os encontros , ainda que o painel do presente se expanda para bem além das pessoas filmadas por Vincent anteriormente, que o uso de imagens de arquivo, atuais, e também as incursões ao passado, sejam muito mais extensas, ligando século XIX ao presente do Congresso Nacional. Como em Cabra, o do encontro mediado pelo olhar público da câmera tem caráter “produtivo”, smas são diferentes tanto o tipo de relação com realizador-interlocutor, como o discurso performado, sempre de testemunho e de afirmação do sentido do movimento coletivo dos guarani-kaiowá. Há um caráter já coletivo, anterior às filmagens, construído pelo tempo de luta e pelo sentido do “martírio”. As imagens do passado são retomadas, com destaque para a repetição da lendária Aty Guaçu. Mas, aqui, no lugar de disparadores para uma elaboração intersubjetiva da memória, como fios soltos de uma coletividade rompida, a montagem dos fragmentos da vida indígena sufocada pelo agronegócio, se dá por um aprendizado progressivo do próprio filme, de entendimento do sentido profundo da resposta histórica dos Guarani-Kaiowá, a partir de sua visão profética. Vincent, como Coutinho, faz uma orquestração de vozes históricas, mas a sua internalização da história na forma fílmica é de outra ordem. Enquanto Coutinho põe em cena a distância social do cineasta, Vincent documenta sua adesão à visão histórica e profética dos índios. Alcança uma documentação do processo histórico da modernização capitalista brasileira, a partir da experiência de um grupo que inverte o sentido de seu martírio, transformando sua posição de vítima em confronto e revelação da violência que pretendia apagar sua presença. Cabras que marcam uma promessa de vida, a partir da sombra da morte. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. SP. Cia. das Letras, 2003. |