ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Temporalidades narrativas: o presente autobiográfico |
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Autor | Gabriel Kitofi Tonelo |
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Resumo Expandido | A manipulação da experiência do tempo na narrativa documentária evidencia-se como uma das principais forças propulsoras da motivação artística de cineastas-autobiógrafos que investigaram a possibilidade de “filmar a respeito de si”, a partir do final da década de 1960. Com a exploração de suas particularidades ontológicas – desde o momento da captação da tomada à construção de um discurso fílmico via montagem – o cinema documentário foi enxergue como possibilidade de realização de um ato autobiográfico que pôde se construir a partir de ferramentas inéditas a outros suportes de expressão de escrita sobre o “eu” e em forma narrativa – em especial, nesse caso, a literatura. Pelo fato de a matéria-prima do cinema estar inscrita em espaços fenomenológicos distintos da literatura, o ato de “filmar a respeito de si”, desta forma, pressupôs outras formas de transposição da experiência vivida à narrativa, no que concerne noções temporais como as de “passado”, “presente” e “futuro” se em comparação à palavra escrita. Questionamentos que tangem à relação entre a experiência vivida, tempo e a natureza especular permeiam diversas narrativas autobiográficas canônicas. Já no décimo primeiro livro das Confissões, Santo Agostinho – para muitos, o fundador da ideia de “autobiografia” como linguagem literária autônoma – desenvolve ampla meditação acerca de sua experiência do “tempo”, preconizando uma relação entre a noção de “presente” e o sentido da visão, ao sugerir a “visão presente das coisas presentes” (AGOSTINHO, 1981, p. 309) como parte de sua percepção da temporalidade. Pontos-de-vista como os de Agostinho abriram alas para um caminho intelectual que enxerga uma ligação do meio fílmico com a possibilidade de registro e representação do presente fenomenal. Tal posicionamento se replicou no campo da teoria do cinema, permeando textos seminais como a reflexão de André Bazin acerca da ontologia da imagem fotográfica (BAZIN, 1988). Esta apresentação tem como objetivo refletir acerca da noção de “tempo presente” aplicada à ótica de narrativas documentárias autobiográficas. Na década de 1970, cineastas relacionados à tradição do cinema direto – e de seus desdobramentos – buscaram testar as possibilidades de uma narratividade autobiográfica que ancorar-se-ia nem um presente da experiência vivida, registrada filmicamente pelo(a) cineasta-autobiógrafo(a). O autor Jim Lane enfatiza que, para tais cineastas, havia uma importância de tornar o cotidiano visível como uma maneira de explorar a “natureza da subjetividade e das interações humanas, que a câmera tem a capacidade única de retratar” (LANE, 2002, p. 53). É nesse sentido que, ao empunhar a câmera (e o gravador de som) em situações integradas a um cotidiano, cineastas buscavam desenvolver uma maneira particular de escrita autobiográfica, que sobrepunha substancialmente a tomada fílmica ao “ato de viver”. A influência do cinema direto como possibilidade da narrativização de um presente da experiência vivida consolidou-se como uma das principais epistemes relacionadas ao cinema documentários autobiográfico, cujos frutos são ainda colhidos na filmografia contemporânea. Apoiando-nos em um extenso corpus fílmico e em trabalhos recentes que lidam com a relação entre cinema, autobiografia, temporalidade e seus fenômenos – como WAHLBERG, 2002; GERNALZICK; 2014 e BLUHER, 2018 –, esta apresentação abordará a noção de um “presente autobiográfico” a partir de três pontos principais: a) a cotidianidade como matéria-prima do conhecimento fílmico autobiográfico; b) a cronologia como estrutura de referência e de apoio da fruição do presente fenomenal da experiência vivida; c) a “autobiografia como interação” (EGAN, 1994) como possibilidade de emergência de laços afetivos entre cineasta e pessoas próximas de si no espaço-tempo delimitado pela circunstância da tomada. |
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Bibliografia | AGOSTINHO, S. O Homem e o Tempo. In: Confissões. 10. ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1981. |