ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A Câmera Analítica e os rastros da história |
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Autor | Alexandre Kenichi Gouin |
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Resumo Expandido | Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi (YG e ARL) começam a trabalhar com arquivos audiovisuais no final da década de 1970, a partir da descoberta de um acervo de filmes em 9,5 mm, no formato Pathé-Baby, formato que já na época não podia mais ser projetado, “era um formato esquecido, invisível” (GIANIKIAN ; RICCI LUCCHI, 2015). É essa incapacidade de projeção que vai fomentar a criação da “câmera-analítica” (um aparelho que se assemelha a uma impressora ótica) que possibilita a leitura de todo tipo de formato, podendo assim refilmar os filmes. YG e ARL vão então realizar filmes com base na análise microscópica dos fotogramas e depois, refilmar esses últimos, com a ajuda da “câmera-analítica”, concebida para permitir intervenções espaço-temporais no “corpo” dos fotogramas: reenquadramento, ampliação de detalhes, alteração de velocidades. Uma vez remontados, os filmes se apresentam como catálogos de cenas às quais foram outorgadas uma nova perceptibilidade: coleções de gestos, atitudes, movimentos e olhares, sem a intenção de fazê-los entrar numa estrutura narrativa, o que se manifesta também pela quase ausência de comentários nos filmes, além de algumas cartelas: é que não se trata de explicar as imagens, mas de tornar visível aquilo que nelas era dificilmente perceptível. Jacques Derrida considera o arquivamento como um gesto performativo, que produz o arquivo ao mesmo tempo que o registra, ou ainda, produz o evento que registra. Em Trace et archive, image et art o autor ressalta: “Não há arquivo sem rastro, mas todo rastro não é um arquivo na medida em que o arquivo supõe não somente um rastro mas que este rastro seja apropriado, controlado, organizado, politicamente sob controle.” Uma vez que os rastros destacados por YG e ARL passavam inicialmente por despercebidos, poderíamos pensar esses rastros como rastros que fogem do desejo inicial e “arquivador” de controle e de organização? Talvez possamos pensar esses rastros como registros inconscientes do evento. Derrida ainda parece nos encaminhar nesse sentido ao perguntar em Mal d’archive: “Como e por que não considerar arquivos inconscientes e mais geralmente virtuais?”. Depois de ter formulado essa pergunta, Derrida a liga diretamente ao propósito de Freud: “O propósito de Freud é de analisar através da aparente ausência de memória e de arquivos, todo tipo de sintomas, sinais, figuras, metáforas e metonímias, que atestam, pelo menos virtualmente, uma documentação de arquivo lá onde o historiador ordinário não identifica nenhuma.” (DERRIDA, 1995) Uma vez os fragmentos identificados, trata-se de organizá-la. É aqui que surge a montagem como estratégia estética e política, mas, de que tipo de historiografia se aproxima a prática cinematográfica de YG e ARL? Num artigo intitulado Sinais: raízes de um paradigma indiciário, o historiador Carlo Ginzburg retraça o surgimento de um novo paradigma nas ciências humanas a partir do final do século XIX. Segundo ele, o paradigma indiciário surgiu com um novo método de atribuição dos quadros elaborado por Giovanni Morelli. Este último, ao constatar que os museus estavam cheios de quadros atribuídos de maneira incorreta, teria elaborado esse novo método de identificação a partir dos pormenores (detalhes dos quadros como o lobo da orelha, as unhas) em vez dos traços mais facilmente identificáveis e então mais facilmente imitados. Ginzburg evoca ainda uma influência do método morelliano sobre Freud, influência anterior à descoberta da psicanálise. Mas esse paradigma enraizaria-se na verdade na prática do caçador, caminho que aponta Ginzburg ao analisar a fábula oriental Os três príncipes de Serendip, fábula na qual os príncipes têm acesso à fatos desconhecidos pela simples observação de índices. Carlo Ginzburg defende também uma visão da história mais perta da memória; a memória sendo fragmentada, assim também deve ser a história, incluindo as próprias lacunas da documentação dentro da narrativa. |
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Bibliografia | BLÜMLINGER, Christa. Cinéma de seconde main. Esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias, KLINCKSIECK 2013 (2009). |