ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O mal do mal de arquivo: entropia e negentropia no found footage |
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Autor | Rodrigo Faustini dos Santos |
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Resumo Expandido | A apresentação busca explorar alguns modos com os quais o found footage contemporâneo tem lidado com o arquivo fílmico, após o trauma da obsolescência industrial da película. Proponho seguir diagnósticos realizados por teóricos e críticos do cinema e das artes, que por termos como “mal do mal de arquivo” (Christa Blümlinger), “paranóia anarquívica” (parafraseando Hal Foster), “poética da obsolescência” (Thomas Elsaesser) e “pós-melancolia” (Christine Buci-Glucksmann) buscam dar conta de certos modos estéticos, direta e indiretamente ligados ao arquivo na prática artística das últimas décadas. Nesse conjunto, posicionarei o mal do “mal de arquivo” de Blümlinger como um pólo de negatividade melancólica ao qual o arquivo tem sido convocado. Tal “febre” associada ao mal de arquivo de Derrida, que a autora identifica no momento atual em que é recorrente o discurso de uma pulsão de morte da memória e uma exploração da violência repressiva do gesto arcôntico, pode ser endereçada às explorações de imagens em ruína por Bill Morrison, Rebecca Baron, Carlos Adriano e Phil Solomon, onde o gesto de desconstrução do arquivo leva-o a seu avesso. Acrescentam-se nesse imaginário discursivo leituras recentes do found footage como arte benjaminiana de fantasmagoria e alegorias ruinosas, como aparecem em Skoller (2005) e Russell (1999 e 2018) – o mal do arquivo, dessa maneira, encarna um sentido de tempo e história pensados enquanto inevitável ruína e entropia, alinhados aqui a uma persistente ligação do fotográfico com a morte, que podemos ver de Barthes à Eduardo Cadava. Tais discursos podem ser agrupados seguindo a linha de pensamento que Christina Buci-Glucksmann (2005) identifica em períodos de crise (tais como a mudança tecnológica analógico-digital nos arquivos e os discursos de catástrofe associados ao imaginário distópico do Antropoceno), nos quais retornam ecos de uma visão histórica messiânica, barroca e depressiva. Como remediação, porém, a autora nos apresenta um pólo oposto, de positividade em meio ao efêmero, que observa na arte abstrata pós-moderna, e que poderíamos associar ao conceito de “negentropia”, uma potência de positividade em meio ao determinismo catastrófico da entropia, valor que, como Stiegler (2018) nos lembra, se associa à resiliência do vital. Assim, contrapondo ao eixo melancólico, destacaremos filmes que investem numa potência heterogênea do cinema para criar e reciclar imagens, significados e história, carregando suas imagens de “heterotopias e heterocronias” que multiplicam caminhos entre a forma e o informe, presente, passado e (potência de) futuro – aquilo que Buci-Glucksmann (2005) busca num “além da melancolia”. Farei aqui referências a filmes que, mesmo acelerando a entropia das imagens, empregando arquivos quase obliterados, re-ativam potenciais materiais e virtuais dessas imagens ao tomá-las como algo próximo de um organismo resiliente e poiético. Vera Cruz (2000), de Rosangela Rennó, será um ponto de partida para pensar nesse eixo, assim como os filmes exumados e inumados de Louise Bourque e Jürgen Reble, realizados em “co-autoria” de seus jardins. O suporte aqui é aberto à interferências e, mesmo que ligado ao traço mórbido fotoquímico, é invariavelmente lugar de projeção de imaginários e aderência de matérias, e o arquivo, amalgamado num suporte, é aberto à mutação, transformação e re-inscrição. O limite pensado aqui, posto em paroxismo nessas obras, nos permitirá voltar a leitura dos filmes entrópicos observados inicialmente, revigorados pelo olhar “negentrópico”. Se Russell nos coloca que: “o found footage tende a um fim da história” (RUSSELL, 1999, p. 241) podemos argumentar, reconstruindo os destroços com Stiegler, “Mas tais artifícios […] podem tornar-se infinitos, tornar seus sujeitos infinitos para além de si, ou seja, além de seu fim, projetando-se na protensão de um porvir, o que por si é perfura o horizonte de um devir [becoming] indiferenciado” (STIEGLER, 2018, p. 58). |
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Bibliografia | BARTHES, R. Camera Lucida. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 1981. |