ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Silêncios fantasmagóricos: por lugares onde mortos vivam |
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Autor | Luiz Severiano Ribeiro de Paula Baez |
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Coautor | Gustavo Chataignier |
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Resumo Expandido | Antes de qualquer imagem, ouvem-se águas. Uma oscilante lanterna desvela apenas parcialmente o horizonte. Uma família desembarca de canoa. “Nem acredito que estão vivos”: refugiados, Amparo, Nuria e Fábio chegam à nova morada. Nesse espaço, tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, geografia e imaginação se fundem. Sob a singular alcunha de Ilha da Fantasia, o pequeno povoado promete o borramento de fronteiras. Nuria, nome de procedência basca e árabe, guarda dois significados (RIVERO, s.d.). Segundo a primeira origem, é “lugar entre colinas”. Esse entre-lugar, acima de tudo, decorre da condição fantasmagórica da personagem: morta entre os vivos, silenciosa entre os falantes. Já para os árabes, nuryia é “luminosa”. Em Los Silencios (2017), isso se traduz literalmente. Nuria ganha vida e voz na chamada Assembleia de Fantasmas. A blusa laranja e o brinco de flor verde, ambos fosforescentes, devolvem à menina o brilho apagado com o óbito. Ao dispor, em um mesmo plano, espíritos presentes e passados, a cineasta brasileira Beatriz Seigner recria no cinema recurso utilizado por Juan Rulfo (2009): a copresença de temporalidades distintas. Em Pedro Paramo (1955), único romance do mexicano, a cidade de Comala serve de palco para a indistinção do natural e do sobrenatural. Por conta da imanente radicalidade da presença imagética, o meio fílmico oferece possibilidades de reavivar essa premissa - ainda que a apresentação diegética se “desapresente” no curso de seu fluxo, e a unidade “filme” se torne problemática justamente pelo embaralhamento de tempos. De todo modo, a Sétima Arte é a da reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 2017), cuja própria existência independe de um suporte físico - e, logo, conserva uma certa fantasmagoria. Partindo dessas duas referências empíricas - o livro de Rulfo e o filme de Seigner -, o presente trabalho tenciona nelas identificar, em termos benjaminianos, o resgate da história dos vencidos (BENJAMIN, 1985). Pretende-se vislumbrar, em ambas as (re)criações artísticas, estratégias de visibilização de uma periferia cujas vidas e tradições apagaram-se diante do progresso enquanto necessidade histórica. Comum às obras, portanto, urge a necessidade de afirmação de si, de resistência. Se Juan, protagonista do romance, busca um pai - ou uma origem -, a Nuria falta uma materialidade - ou um aqui e agora. Não se trata, contudo, de pensar as jornadas como “destino” ou “maldição”. Uma vez suspenso o tempo histórico teleológico, os personagens não se deixam capturar senão por imagens dialéticas (BENJAMIN, 1985), ligações temporais inauditas em função de um apelo presente. Suas identidades, jamais estáticas, estão em constante deslocamento, bem como apresentam-se a eles, enquanto sujeitos, novas oportunidades de nomeação. Retoma-se, então, no filme, a notável figura de uma Assembleia de Fantasmas. Tal encontro só poderia resultar de uma “frágil força messiânica”, de um contato com o passado que modifica o presente (BENJAMIN, 1985, p. 222-223). Materializados em som e imagem, os mortos de Seigner reivindicam a “rememoração histórica”, a redenção em escala coletiva das “Teses sobre o conceito da história” (BENJAMIN, 1985). Para além da diegese ficcional, porém, Los Silencios promove um embaralhamento estético entre o real e o imaginário. Na última cena, atores carregam fotos de vítimas do conflito entre FARC e militares, em violenta intrusão do real no quadro. Para Benjamin, o passado é mediado pela lembrança. Nesse sentido, crescente importância recebe a memória no contexto brasileiro e, mais amplamente, latino-americano. Diante de um passado que insiste em retornar, posto que recalcado, eleger obras tão díspares - mas também tão próximas - quanto as deste estudo revela uma crença na dialética das imagens ou nas imagens dialéticas. Acredita-se, antes de tudo, na literatura e no cinema enquanto sintomas do visível, condições de possibilidade de uma arqueologia crítica da nossa cultura (DIDI-HUBERMAN, 2012) |
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Bibliografia | BENJAMIN, W. A obra de arte na época da possibilidade de sua reprodução técnica. In: ______. Estética e sociologia da arte. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. |