ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Do grotesco ao antropofágico: corpos e rostos sganzerlianos |
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Autor | Isabel Paz Sales Ximenes Carmo |
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Resumo Expandido | Propomos realizar uma breve análise do caráter grotesco e antropofágico do corpo e notadamente do rosto em três filmes do cineasta brasileiro Rogério Sganzerla: "A mulher de todos" (1969), "Sem essa, aranha" (1970) e "Copacabana mon amour" (1970). Nesses filmes, os corpos estão constante movimento, muitas vezes frenético, fora de controle. Os atores correm, dançam, chutam, pulam, sufocam uns aos outros, ações que, na maior parte do tempo, pareceriam caóticas e sem sentido se executadas dentro de um filme de ficção naturalista. Porém, elas cabem no universo absurdo do Cinema Marginal, e são mesmo necessárias para reforçá-lo ou construí-lo. Nesse sentido, a corporeidade na obra sganzerliana pode ser associada à ideia da monstruosidade, do exagero e, especialmente, do grotesco. É possível observar diversas semelhanças entre o conceito do corpo grotesco explorado por Mikhail Bakhtin, em seu estudo sobre a obra de François Rabelais, e a representação corporal no cinema de Sganzerla. De acordo com o autor russo, “o corpo grotesco é um corpo em movimento. Ele nunca está pronto ou terminado: ele está sempre em estado de construção, de criação, e ele mesmo constrói um outro corpo; mais do que isso, esse corpo absorve o mundo e é absorvido por este último.” (1970, p. 315). É justamente a boca o grande interesse do rosto nos filmes de Sganzerla. Se, por um lado, esses rostos são enquadrados de diferentes maneiras (em close-up em "A mulher de todos"; recorrendo ao uso de diferentes acessórios e ângulos em "Sem essa aranha" e "Copacabana mon amour"), a boca parece existir unicamente em função desse corpo, que quer engolir e regurgitar o mundo: comer, beber, fumar, morder e lamber; vomitar, cuspir, tossir, falar, gritar, cantar e recitar. Em "Sem essa, aranha", a personagem de Maria Gladys grita continuamente: “Ai, que dor de barriga! Que fome!”. Em outra cena, enquanto dançarinas seminuas se movem pelo salão, a câmera procura por Helena Ignez, que começa a induzir o próprio vômito com o dedo. A boca é, para o corpo grotesco, o único interesse do rosto. “Todo o resto serve apenas para enquadrar essa boca, esse abismo corporal enorme e devorador.” (BAKHTIN, 1970, p. 315) Já em "A mulher de todos", a boca de Ângela Carne e Osso (Helena Ignez) torna-se uma ferramenta cuja característica grotesca é marcada pela sexualidade. Alegoria da femme fatale, independente e liberal, Ângela dá beijos escatológicos, exagerados, como uma metonímia do ato sexual. Ela tenta comer, por exemplo, um vinil; ela morde um amante até fazê-lo sangrar. A língua estirada, uma faca entre os dentes e as palavras “Eu sou Ângela Carne e Osso. A ultrapoderosa inimiga número 1 dos homens” anunciam seu caráter feroz. Acreditamos que a representação da boca possui um papel central no cinema de Sganzerla na medida em que funciona como uma metonímia do processo antropofágico criador empreendido pelo cineasta. Ambos o grotesco de Rabelais e o antropofágico de Oswald de Andrade – que muito influenciou o Cinema Marginal – compartilham do mesmo caráter cósmico: “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.” (ANDRADE, 1924). Pretendemos aqui trabalhar os três filmes em relação a tais conceitos, lançando mão de outros aspectos importantes à análise, como o jogo atoral, a fotografia e a montagem. |
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Bibliografia | AUMONT, J. Du visage au cinéma. Paris: Cahiers du cinéma, 1992. |